Espocam aqui e ali sinais de que o pior da crise econômica já passou. Alguns termômetros estancaram a queda. A construção civil, por exemplo, anuncia o retorno dos clientes aos plantões de venda. Um movimento tímido, mas animador.
Estamos no bico. A imagem que melhor define o eterno ciclo de espasmos nacionais é a do voo da galinha. Quando tudo indica a decolagem rumo ao infinito, o peso da gordura puxa pra baixo. Nossas asas fracas não dão sustentação.
Em conversas com empresários de vários setores, noto uma sutil mudança na pauta. No final do ano passado, falávamos sobre a urgência das reformas. Previdência, legislação trabalhista, impostos. Na iminência do choque contra o fundo do poço, as urgências se definiram com clareza. Mas o Brasil há muito não é mais o país do futuro. É o país do agora.
Bastou uma nesga de luz sobre a escuridão para que o discurso da mudança perdesse o brilho. Somos aquele zagueiro que marca muitos gols, mas é driblado vergonhosamente pelo adversário: perigo nas duas áreas. Perdemos a chance de reformar o país quando os ventos sopravam a favor. Em vez disso, afundamos nossa esperança na roubalheira e no caos. Veio a crise. E todos disseram que ela era necessária para que pudéssemos arrumar o Brasil com medidas impopulares e necessárias.
O otimismo, mesmo tímido, está de volta. Temo que ele nos induza, mais uma vez, a deixar para depois, de novo, a reformatação da nossa ética, dos nossos governos, das nossas práticas, das nossas leis.
Se o impeachment se concretizar, Michel Temer terá uma chance histórica. Mais uma entre tantas já concedidas – e desperdiçadas. Se em dois anos ele conseguir fazer o mínimo, será o máximo. Temer é inelegível. Foi condenado pela Justiça Eleitoral por doar mais do que poderia para a própria campanha. Justamente por não se preocupar com a próxima eleição, poderá se preocupar com a próxima geração.
Aqui no Estado, falta esse desprendimento ao governo Sartori: o de propor à sociedade, de forma clara e direta, um novo modelo. Medo do impacto nas urnas. Só isso explica a falta de ação numa reforma profunda, impopular e verdadeira do Estado.
No plano nacional, a aspirina mascara a dor. Que isso não nos impeça de ver a doença. Tem cura. É só não deixar que o otimismo nos emburreça outra vez.
O limite do desapego
Decidimos doar nossa biblioteca. A segunda parte dela. Há dois anos, libertamos uns 400 livros. Durante a semana, foram mais 600 ou 700. Difícil. Me despedi de cada um. Garanto: no fim das contas, a sensação do desapego é boa. Parece meio cafona, mas foi como abrir uma gaiola e deixar um bando de pássaros voar outra vez. O Banco de Livros da Fiergs vai se encarregar do resto. Que as histórias e ideias iluminem outros lares e cabeças.
Alguns livros ficaram. Poucos. A decisão não foi inspirada apenas pela qualidade, mas muito pelo afeto. Entre eles: O Aleph, de Borges, A borra do café, de Mario Benedetti, Lavoura arcaica, de Raduan Nassar, Tevye, o leiteiro, de Scholem Aleichem, Mãos de cavalo, de Daniel Galera, A vaca e o hipogrifo, de Mario Quintana, Meu nome é vermelho, de Orhan Pumuk, Seda, de Alessandro Baricco, É isto um homem?, de Primo Levi, Folhas de relva, de Walt Whitman, O filho de mil homens, de Valter Hugo Mãe, Contrato com Deus, de Will Eisner, Fragmentos de um discurso amoroso, de Roland Barthes, Os guaxos, de Barbosa Lessa, e a obra completa de Simões Lopes Neto. Ficaram também um I Ching, um Alcorão, dois Philip Roth e um livro de orações judaicas que ganhei de meu avô, além da minha coleção de selos e livros escritos por amigos. Desculpem, mas não consegui deixá-los ir.
Tive uma outra alegria nesse processo: a de ver que vários dos meus clássicos já não estavam lá. Devo ter emprestado e esqueci. Confesso que senti uma ponta de orgulho de mim mesmo.
Amadorismo 2.0
É pior do que se imaginava: das 2,4 mil vagas do complexo prisional de Canoas, apenas 390 estão sendo ocupadas.Em Lajeado, o presídio feminino está pronto. Mas não há servidoras para abrir a casa.
Batuta
Isaac Karabtchevsky volta a Porto Alegre no dia 24 de agosto. Ciceroneado por Telmo Jaconi, o maestro paulista irá reger a Orquestra Jovem do Rio Grande do Sul, no Theatro São Pedro.O concerto é para marcar o aniversário de sete anos do projeto de inclusão social de jovens da rede pública de ensino.Ingressos disponíveis a partir do dia 17.
Simples e eficiente
As famílias que perderam filhos em tragédias nas casas noturnas de Buenos Aires criaram uma ONG. Esta ONG recebe denúncias de irregularidades em bares e danceterias frequentadas por jovens. Inclusive via WhatsApp, com fotos.Um acordo com o governo local garante a eficiência da ação. Mais de 500 estabelecimentos inseguros já foram fechados na capital argentina.