Agora que os três países islâmicos do Oriente Médio estrearam na Copa do Mundo, há algumas curiosidades que você, eventualmente, deva saber para compreender a geopolítica aplicada ao futebol - em especial sobre o país-sede, o Catar, o Irã, que sofreu a goleada na segunda (21) contra a Inglaterra, e a Arábia Saudita, que derrotou os hermanos argentinos nesta terça-feira (22).
Irã não é árabe
A primeira questão é não chamar Irã de país árabe. O país é persa, e não árabe, etnia que habita a maior parte da região da Península Arábica e o norte da África. Logo, Catar e Arábia Saudita são árabes. O Irã é persa. Embora com origens étnicas diferentes, os três são islâmicos porque seguem, em sua maioria, o Islã, religão fundada pelo profeta Maomé.
Todos são ditaduras?
Em diferentes níveis, todos são regimes autocráticos, em outras palavras ditaduras. Os três também têm como Constituição a sharia, a lei islâmica, que estabelece princípios econômicos e socioculturais, também com graus diferentes de aplicação. O Irã é governado desde a Revolução Islâmica, em 1979, pelos aiatolás, uma corrente fundamentalista do Islã. A Arábia Saudita é uma monarquia governada pela Casa de Saud. O rei é Salman bin Abdulaziz al-Saud, mas o poder atualmente é exercido por seu filho, o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman, que gosta de passar uma ideia de reformista e modernizador, mas é um ditador sanguinário, acusado, entre outras coisas, de ter mandado matar o jornalista do The Washington Post crítico do regime Jamal Khashoggi. O Catar, país sede da Copa, também é uma monarquia, governado pela casa real Thani. Partidos políticos são proibidos e não há eleições parlamentares desde 1970. Os três violam direitos humanos (LGBTQ+ é crime, por exemplo), não permitem oposição e punem dissidentes.
E o terrorismo?
É importante saber que o Islã, por si só, não é uma religião violenta. Como todas as fés, prega a paz. Porém, há setores extremistas, como em todas as religiões, que, em maior ou menor grau, atingem todas as religiões. Na Arábia Saudita, nasceu uma corrente do Islã conhecida como wahabismo. Para pesquisadores, trata-se da mãe de todos os movimentos fundamentalistas. Foi criada por um homem chamado Muhammad ibn Abd al Wahhab, um pregador nascido em 1703. Ele acreditava que os muçulmanos tinham se distanciado da verdadeira mensagem do Islã. Ele queria purificar a religião. Essa é a base de grupos extremistas como a rede Al-Qaeda, de Osama bin Laden (que, aliás, era saudita), e do Estado Islâmico.
Disputa Irã x Arábia Saudita
No aspecto geopolítico, há uma disputa pela hegemonia (poder) na região entre Arábia Saudita (que segue o ramo sunita do Islã) e Irã (que segue a matrix xiita). O principal palco desse conflito, que é político, mas que, na prática, se converteu em uma guerra, é o Iêmen. Trata-se do país mais pobre do rico Golfo Pérsico. Aí, entram em cena os houthis, grupo armado que segue o ramo xiita do Islã em oposição à maioria sunita no país. Logo, a Arábia Saudita entrou na guerra para defender a maior parte da população, enquanto o Irã arma essa organização rebelde. Apoiada pelos EUA (daí a hipocrisia do Ocidente ao pregar a defesa de liberdade de expressão, democracia e direitos humanos), a Arábia Saudita vê na expansão do grupo no Iêmen, os tentáculos dos xiitas iranianos se espalhando pela região. Mais de 7 mil civis morreram desde 2015, segundo a ONU, nesse conflito. Por causa dessa disputa, a Arábia Saudita rompeu, em 2017, relações diplomáticas com o Catar e liderou boicote à Copa por entender que o governo estava financiando grupos terroristas com o intuito de desestabilizar governos rivais - o boicote acabou se tornando um problema para os países aliados da Arábia Saudita (leia-se Estados Unidos) porque o aproximou ainda mais de seus aliados, como o Irã em busca de segurança. O Catar, sede da poderosa rede de TV Al-Jazeera, conhecida como a CNN do mundo árabe, é uma potência econômica, com um dos cinco maiores PIBs per cápita do planeta. O isolamento foi suspenso em 2021 pela Arábia Saudita. Mas o mal-estar (e, infelizmente, a guerra no Iêmen) segue. Ah, e não custa lembrar que, num clima de Guerra Fria e conflitos por procuração, a região é palco dessa disputa também de forma mais macro: historicamente, a Arábia Saudita é apoiada pelos EUA e o Irã, pela Rússia. E vale a máxima de que o inimigo do meu inimigo é meu amigo, caso do acordo recente entre Israel e Arábia Saudita.