A expectativa era enorme, tanto que nunca se viu a sala de 1,5 mil cadeiras do Fórum Econômico Mundial tão cheia. Donald Trump seria Donald Trump? Polêmico, um tanto arrogante e provocativo como sempre? Quem assistiu à fala mais esperada da semana em Davos se surpreendeu com uma versão mais light do presidente americano, que participa pela primeira vez do encontro da elite.
Trump não foi o nacionalista de sempre. Adotou um discurso mais moderado. Alguém que nunca o tivesse escutado, imaginaria até que estaria diante de um globalista, um estadista que prega o multilateralismo e a convivência harmoniosa e cooperativa entre os agentes do sistema internacional.
– A "America First" não quer dizer a América sozinha. Porque o que faz a América crescer beneficia o resto do mundo – afirmou, dando nova roupagem a seu mantra eleitoral, confirmado em seu primeiro ano de governo por medidas de isolamento, como a retirada dos EUA de tratados internacionais.
Nos 15 minutos de pronunciamento, Trump, quem diria, até acenou retomar contatos. Disse que admite negociar com os países da Parceria Transpacífico, de forma bilateral ou em grupo. Desde que sejam revistas as regras, claro.
Ele também foi mais empresário do que presidente. Em certo momento, parecia que estava em uma sala de negócios, oferecendo seu país como um produto de exportação a alguns clientes endinheirados.
– Nunca houve um momento melhor para contratar, construir, investir e crescer nos Estados Unidos. Os Estados Unidos estão abertos para fazer negócios outra vez, e voltamos a ser competitivos – salientou, como grande vendedor que é.
A economia é a menina dos olhos do ano 1 da era Trump. Ele vive uma lua de mel prolongada com seus pares empresários. Em dezembro, conseguiu aprovar no Congresso a proposta de reforma tributária – o maior corte desde o realizado por Ronald Reagan, em 1986. Na primeira semana do ano, o índice Dow Jones atingiu um recorde histórico de 25 mil pontos, demonstrando apoio dos investidores com a economia. Em outubro, o desemprego chegou a 4,1%, o menor em 17 anos.
Houve uma estocada, pelo menos, à China.
– Apoiamos o livre-comércio, mas ele tem que ser justo e recíproco. Os EUA não vão mais fechar os olho para práticas como roubo de propriedade intelectual, subsídios e dumping. Essas práticas estão causando estragos – afirmou.
E nem tudo foram aplausos. Após encerrar, Trump voltou a ser Trump: respondendo a uma pergunta do fundador do Fórum, Klaus Schwab, criticou, como de praxe, a imprensa. Aliás, seu esporte favorito, depois do golfe e do beisebol.
– Como homem de negócios, sempre fui bem tratado pela imprensa. Até eu ser eleito presidente e ver quão ruim, ambiciosa e fake a impressa é – disse.
Poucas horas antes de seu discurso, o jornal The New York Times revelou que, no ano passado, Trump exigiu a demissão do procurador especial Robert Mueller, que investiga a suspeita de influência russa em sua campanha eleitoral. Ele teria desistido, após a ameaça de demissão de um funcionário de alto escalão: "Fake news, fake news. Típico do New York Times", declarou à imprensa na chegada ao centro de convenções.
Afinal, Trump não consegue deixar de ser Trump por muito tempo.