Não costumamos titubear ao classificar Saddam Hussein, Muamar Kadafi, Bashar al-Assad e Kim Jong-un como ditadores. Mas hesitamos em designar da mesma forma Fidel Castro, Vladimir Putin, Hugo Chávez e, o mais novato do clube autoritário mundial, Nicolás Maduro.
No fim de semana, a decisão do jornal Folha de S. Paulo de passar a chamar o regime venezuelano de ditadura provocou a conhecida guerra ideológica nas redes sociais. Em comunicado, a Folha explicou que, de acordo com o manual da Redação, o termo se aplica à "dominação de uma sociedade por meio de um governo autoritário exercido por uma pessoa ou um grupo, com repressão e supressão ou restrição de liberdades individuais".
Não é de hoje que a Venezuela flerta com o autoritarismo. Mas em que momento histórico um governo ultrapassa a fronteira e descamba para a ditadura? Na Venezuela chavista-madurista há todos os requisitos de um regime autoritário há 18 anos: prisão de opositores? Temos! Mordaça a veículos de comunicação e caça a jornalistas? Temos! Eleições fraudulentas e centralização do poder pelo Executivo, suplantando o Legislativo e o Judiciário? Temos! Temos!
Mas qual foi o ato 1 da ditadura? Como de costume nessas situações polarizadas, posicionamentos, inclusive de órgãos respeitados como a Organização dos Estados Americanos (OEA), estão contaminados pelo véu ideológico: o uruguaio Luis Almagro, que considerou golpe o impeachment de Dilma Rousseff, foi um dos primeiros a classificar Maduro como ditador após a eleição da assembleia constituinte. Outros, como o presidente colombiano e Nobel Juan Manuel Santos, viram na destituição da procuradora Luisa Ortega Díaz como a gota d'água da suposta democracia venezuelana até então.
Maduro não virou ditador da noite para o dia. Hugo Chávez era até mais autoritário do que seu pupilo. O atual presidente endureceu o pulso ao perceber que o projeto de poder bolivariano fazia água. A oposição, que se omitira diante de Chávez, conquistou maioria nas eleições legislativas de 2015, ocupou as ruas e chegaria às portas do Palácio de Mirafores em 2018. No contexto externo, os governos de centro-direita da América Latina em geral e do Mercosul em particular encontraram na panela de pressão atual o momento perfeito para extirpar o chavismo do continente.
As palavras "ditador" e "ditadura" são encharcadas de simbolismo, mas seus conceitos carecem de atualização. O terrorismo pós-11 de setembro não é o mesmo terrorismo a que vimos no século 20. Impeachment também não. A ditadura venezuelana não segue a cartilha característica dos cânones da ciência política. Tem outros tons, formas e, quem sabe, designações.