A sentença que dá título a este artigo tem permanência e não tem ideologia. Um dia a casa cai. Eduardo Cunha viu a sua tombar na última segunda-feira. Só ele não via que sua cassação era dessas verdades anunciadas até frente os mictórios do Congresso. Ela não decorreu de qualquer convicção moral majoritária. Bem ao contrário. Como sua numerosa bancada fora construída mediante distribuição de favores e corretagem de benefícios, extinto o poder com o afastamento, ruíram os alicerces, os ratos sentiram o chão tremer e o telhado desabou.
Foi dia de festa nacional. Até o PT, que andava encontrando pouco prazer na vida e ensaiava passar os próximos dois anos a fazer o que sempre fez e faz quando na oposição – gritando "Fora!" aos que estão em seu caminho – brindou à saída daquele a quem escalara como arqui-inimigo. Os milhões de brasileiros que, como eu, queriam o impeachment da presidente Dilma, idem. Nós sabíamos bem o quanto Cunha, com sua omissão, atrapalhou, retardou e procurou esfriar a mobilização popular pelo impeachment. Nós sabíamos que ele usou em seu próprio benefício a voz das ruas e o poder que tinha de decidir sobre encaminhar ou não um requerimento qualquer entre as dezenas que se empilhavam sobre sua mesa. Quando, com nove meses de atraso, decidiu decidir, escolheu provavelmente o único que deixava de lado o conjunto da obra, ou seja, a casa que um dia haveria de cair. Por que essa escolha? Porque do conjunto da obra ele fazia parte.
Foi essa escolha que transformou as sessões do Congresso que deliberaram sobre o assunto numa repetitiva sequência de debates políticos sobre desgraciosa matéria técnica de contabilidade pública e Direito Constitucional. Foi graças à falta de atrativos desse conteúdo que o PT construiu a retórica do golpe. Os próximos dias possivelmente nos reservarão uma surpresa. Se Cunha formular as denúncias que anuncia, talvez venhamos a ver o petismo acreditando piamente em tudo que ele disser. E não duvide: Cunha pode estar a um passo de se transformar no próximo guerreiro, herói do povo brasileiro.
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Não tenho condição de opinar sobre a denúncia de 159 páginas encaminhada pelos procuradores da Lava-Jato contra Lula, dona Marisa e outras seis pessoas. Percebo porém, ante o que li e ouvi, que as declarações da família Lula da Silva sobre o tríplex de Guarujá são inconsistentes. As alegações de Lula sobre não haver escritura em seu nome transforma o famoso imóvel numa versão praiana do argumento de Cunha, que também alegava não ter "conta na Suíça", mas dinheiro num fundo truste. Idêntica situação, de resto, se repete em relação ao sítio de Atibaia.
O que impressiona a quem pôde dedicar algum tempo a ouvir o procurador Dallagnol e a ler ao menos as partes principais da denúncia formulada por ele na companhia de outros 12 procuradores é o rigoroso tratamento lógico dispensado ao que foi denominado conjunto da obra. Faz lembrar algo? Pois é. Pouco a pouco, a peça acusatória vai escrutinando as circunstâncias em que foram praticados crimes de corrupção. Mostra que o petrolão é continuidade do mensalão, sem José Dirceu. Prova que houve continuidade delitiva pelos mesmos agentes, tornando impossível, após a AP-470, qualquer posterior alegação de desconhecimento por parte de Lula. A operação Lava-Jato já viu e ouviu o que nem o diabo sabe. Proporcionou 1,4 mil procedimentos, mais de 600 buscas e apreensões, 70 acordos de colaboração e 112 pedidos de cooperação internacional. Ofereceu acusações criminais contra 239 pessoas e já obteve 106 condenações. Pediu ressarcimento de R$ 38 bilhões, incluindo propinas que já alcançam o montante de R$ 6,6 bilhões!
É inconcebível que algo dessa magnitude se instale, opere, acesse semelhante volume de recursos e posicione operadores conforme a conveniência do esquema, sem que alguém com poder no governo e sobre os partidos junte as duas pontas. A resposta que os procuradores deram a essa enigma está tirando o sono de muita gente.