Por alguma fragilidade pessoal não sou leitor assíduo das páginas policiais, cuja importância reconheço. Causa-me mal-estar o mergulho matutino nas águas turvas e geladas do submundo que, em nosso país, disputa tamanho e poder com a nação e suas instituições. Dedico minhas expectativas cívicas às páginas de política e economia porque, em grande parte, é dali e da Educação que algo bom pode vir. Foi inevitável, porém, prestar atenção às notícias sobre o violento ataque à Escola Estadual Erico Verissimo. Se praticado por alunos, foi ato de furto e vandalismo. Se por facções criminosas, terrorismo. Nesta hipótese, é inevitável a analogia. Terrorismo pode ser definido, grosso modo, como "emprego sistemático da violência para desestruturar a sociedade e buscar poder". Ações semelhantes na intenção e variadas na forma acontecem nas grandes cidades brasileiras. Anunciam um estado paralelo, atemorizam a todos, delimitam território e visam a um objetivo político. (Note-se que a lei brasileira sobre terrorismo exclui (!) as motivações políticas. Mais adiante, neste texto, se compreenderá o motivo.)
Dito isso, colho o resultado pessoal do indesejado mergulho no submundo e suas motivações. Encapelam-se os sentimentos! Impossível silenciar ante o encontro do que vejo com o que sei. Entre os muitos motivos que desencadearam as forças do mal em nosso país existem alguns envoltos em conspiração de silêncio. Há que rompê-la. Refiro-me a quantos, de modo intencional e velado, vêm condicionando a nação para ser estuprada pela criminalidade com cuja conduta, no delírio da utopia, se acumpliciam e colaboram.
Refiro-me aos que, no contrapelo dos países civilizados, onde a criminalidade envolve grande risco porque fortemente combatida, postam-se ao lado dos bandidos e contra sua repressão, ajudando a transformar o crime em operação segura e rentável. Exibem-se como defensores e garantidores de direitos humanos. Percebem os criminosos como agentes de um processo de transformação na sociedade – ela sim, declarada perversa – onde nós, as vítimas, não temos direito à proteção e desmerecemos consideração. Estão na mídia, no mundo acadêmico e nos poderes de Estado, em sublime contemplação da própria bondade.
O que pode levar alguém, numa sociedade onde as ações criminosas correm livres e soltas, a afirmar que "já temos presos em excesso", que "prender não resolve", que "cadeia não recupera", que "é inútil agravar as penas", que "regime disciplinar diferenciado desrespeita direitos humanos"? Por que iria alguém dedicar-se a tutelar bandidos e hostilizar polícia? Que razão teriam essas pessoas para, enfim, deixarem tudo como está?
Se o leitor destas linhas não for turista de língua portuguesa viajando em nosso país, se for da aldeia e conhecer os caboclos, saberá que quase todas as teses erradas e extravagantes disseminadas no Brasil procedem da mesma usinagem política. A de que trato aqui é uma das tantas e se resume no que descrevo a seguir. 1) A criminalidade seria produto do sistema econômico, da economia de mercado, da empresa privada e, principalmente, do direito de propriedade. Não havendo propriedade privada, desapareceriam a cobiça e o roubo, pois o Estado disporia tudo em partes iguais para todos. 2) A lei penal, que enche as prisões, teria sido concebida para proteger a propriedade privada, sendo, pois, uma lei contra-revolucionária e opressora. Essa usinagem política anseia por um mundo sem pronomes possessivos, especialmente no singular.
Assim, o sujeito que nos ameaça com uma arma, que dispara contra suas vítimas, que rouba a pensão da velhinha e o nosso carro, que invade terras e imóveis (chamam a isso "ocupação") é visto como agente da transformação social e como um carente necessitando proteção contra a maligna ordem penal burguesa, que cobra respeito ao meu, ao teu e ao seu.
Essa visão fabulosa, relato de um malogro sem fim, que tanto mal já causou à humanidade, é uma praga intelectual. Ela afeta de modo implícito o mundo acadêmico e nos atinge diariamente. Contudo, por pura desonestidade, jamais se apresenta a suas efetivas vítimas, o distinto público, como de fato é e com o nome que tem.
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