Em ordem cronológica: houve as jornadas de junho, os protestos contra a Copa, as paralisações do setor público, a eleição de 2014, o processo de impeachment, os atos contra Dilma, os atos a favor de Dilma, a revolta dos caminhoneiros, o movimento Fora Temer, a eleição de 2016, a rebelião secundarista, as universidades ocupadas.
O Brasil vive sob tensão política há mais de três anos, e duas constatações são irrefutáveis:
1) Ninguém suporta tanto tempo de turbulência contínua. Dessa instabilidade emergiu um nojo, uma aversão total à política, e o resultado foi a enxurrada inédita de votos nulos na última eleição – eleição, aliás, que consagrou candidatos dispostos a rejeitar o rótulo de políticos para se vender como "gestores". Foram os casos de João Doria Júnior, em São Paulo, e de Alexandre Kalil, em Belo Horizonte.
Este é o lado ruim. Porque, ao contrário do que o senso comum parece acreditar, política se faz com políticos. O bom político, o político de verdade, ele tem perfil agregador, habilidade para dialogar, talento para construir consensos, vocação para negociar, e tudo isso resulta em uma sociedade menos instável, menos agitada, menos propensa aos conflitos sociais. Quer dizer: embora ninguém aguente mais a tensão política que assola o país desde 2013, só se resolve uma tensão política com... política.
Outras colunas de Paulo Germano:
Quando a maioria está errada
Os que ocupam e os que não escutam
Calma, prefeito Marchezan
Maioridade penal, um debate distorcido
Kalil se elegeu em BH com o demagógico slogan "Chega de político". Um desserviço. Para garantir a excelência de qualquer atividade, é melhor chamar um profissional. E não há demérito algum em ser político profissional – até porque política, como qualquer atividade, se aprende com o tempo –, o demérito é ser corrupto, ou incompetente, ou simplesmente um mau político.
Um problema sério do Brasil é justamente a escassez de políticos profissionais. Dilma Rousseff, por exemplo, só foi candidata à Presidência porque havia um vácuo de líderes no PT. Nunca tinha disputado uma eleição, foi apresentada na campanha como gestora, como Mãe do PAC, como mulher de perfil técnico e, naturalmente, revelou-se um desastre para dialogar, para construir consensos e para negociar. Não sabia fazer política, jamais teve a política como ofício.
2) O lado bom da sucessão de protestos nos últimos três anos é óbvio: deixamos de aceitar bovinamente o inaceitável. Minha geração cresceu ouvindo que o brasileiro, em comparação aos europeus ou mesmo aos vizinhos da Argentina, era um povo passivo, apático, pouco afeito às manifestações. Balela, isso nunca fez sentido. Faz 230 anos que a gente se rebela: foi assim na Inconfidência Mineira, na Conjuração Baiana, nos movimentos separatistas, no Movimento Getulista, na Revolução Constitucionalista, na Campanha da Legalidade, na Marcha da Família, na Passeata dos Cem Mil, nos movimentos pela anistia, nas Diretas Já, no Fora Collor, mas todas essas revoltas tinham propósitos que se encerravam em si mesmos. Eram pautas únicas, independentes umas das outras. Hoje, não.
Hoje, todos os protestos que chacoalham o país, não importa se alinhados à esquerda ou à direita, têm um princípio análogo, um objetivo moral que norteia qualquer manifestante: é uma espécie de basta, chega, deu. Não se admite um governo gastar bilhões em estádios enquanto houver hospitais desmoronando. Não se admite mordomias a deputados enquanto continuar subindo a passagem de ônibus. Não se admite salário alto para um ministro se o do professor for ridículo.
O bom político, aquele que mencionei lá em cima, precisa ler este recado. Precisa absorver e responder às exigências de um novo tempo – algo que Michel Temer, definitivamente, não consegue. Embora seja um político profissional, o que não é demérito, Temer se revela um mau político: um presidente arcaico, ultrapassado, que ainda associa o poder a um conforto inarredável.
Em pleno processo de votação da PEC dos gastos, às portas da discussão de uma reforma na Previdência, seu governo torra R$ 500 mil em um evento, só para convidados do Planalto, que homenageia o centenário do samba. Temer concede entrevistas defendendo a urgência do ajuste fiscal, mas seus ministros fazem 238 viagens irregulares com aviões da Força Aérea em cinco meses. Ele prega como um padre o corte de despesas, mas seu governo gastou, nos últimos quatro meses, R$ 24 milhões com cartão corporativo, portanto R$ 2 milhões a mais do que no primeiro semestre inteiro. Não tem cabimento.
Não há tensão política que se aplaque – e não pode mesmo se aplacar – quando um governo esnoba uma mensagem que há três anos vem das ruas. Pelo bem do país, presidente, desça desse salto e saiba ouvir o que o povo pede. Seja profissional, Michel Temer, seja um político de verdade.