Esqueçam a retrospectiva da Globo. O resumo mais fiel de 2015 é esse episódio no supermercado Nacional, que enfureceu dezenas de pessoas na zona norte de Porto Alegre. Está tudo ali: a crise econômica, a intolerância, o desemprego; posso enxergar até o Estado Islâmico e os refugiados da Síria no impressionante vídeo captado pela repórter de Zero Hora Jaqueline Sordi.
Primeiro, um parêntese.
Juro que havia me preparado para escrever um texto otimista neste 31 de dezembro, daqueles que avaliam o lado bom do ano e, com delicadeza e ternura, projetam um novo ciclo de amor e fartura e sucesso e bibibi, então saibam que realmente desejo tudo isso para vocês, mas, por outro lado, parece-me importante fazermos uma autocrítica e, de maneira sensata e equilibrada, nos perguntarmos QUE DIABO DE ANO FOI ESSE, MEU DEUS!!!
Porque, sejamos práticos: só com essa autocrítica é possível identificar, de fato, o que queremos em 2016. Tentarei fazer isso a partir do caso Nacional. Fecha parêntese.
A dois dias do Réveillon, houve um quebra-quebra no supermercado porque, ao contrário do que os clientes pensavam, não havia um esperado desconto de 50% em todos os produtos da loja. Aliás, era o último dia de funcionamento daquela loja - que, assim como outros quatro supermercados da marca em Porto Alegre, encerraria em definitivo as atividades. Um reflexo da crise, disse a Walmart.
As pessoas exultaram. Comemoraram, vibraram, inundaram as redes sociais com apupos de "já vai tarde", "vade retro", "graças a Deus" e "viva o Zaffari", vociferando contra o serviço e o atendimento do Nacional.
Poucos pensaram nos 800 demitidos às vésperas do Ano-Novo.
Então, sinceramente: que em 2016 a gente consiga se pôr no lugar do outro. E que a solidariedade seja, se não uma obrigação, pelo menos uma amostra de respeito. Mas aí os clientes entraram na loja e atiraram produtos no chão, enquanto uma multidão do lado de fora chutava a porta e arremessava cestos na cabeça dos seguranças, que reagiam com cassetetes e recebiam socos na cara de um homem descontrolado, cego de ódio.
Se tivesse uma espada na mão, aquele homem teria decapitado um dos seguranças. E aquela turba de gente dentro do supermercado, avançando afoita sobre alimentos com desconto, lembrava o desespero de imigrantes esfomeados ganhando comida de voluntários. Mais um voto para 2016: que comece por nós o exercício da paz e da tolerância, duas premissas de convívio social que nos foram usurpadas no último ano - tanto na Síria quanto em qualquer timeline do Facebook.
Mas nada disso teria ocorrido - nem gente apavorada em busca de descontos, nem 800 demitidos, nem cinco supermercados fechando, nem o consequente quebra-quebra - se o Brasil estivesse bem. E meu maior desejo para 2016 é que o país reaja, que resolva logo se a presidente sai ou fica, que vire essa página e ingresse de novo nos trilhos.
Porque a vida é mais leve quando o país vai bem. A vida é mais leve quando estão todos bem.