Há 15 anos, a China é o maior parceiro comercial do país, com um saldo amplamente favorável ao Brasil. Apenas em 2023, as exportações superaram as importações em US$ 51 bilhões. Nas últimas décadas, o gigante asiático buscou aqui boa parte dos grãos e proteínas animais necessários para nutrir a sua imensa população de mais de 1,4 bilhão de pessoas e das matérias-primas, como o minério de ferro, essenciais para os investimentos pesados que fez em infraestrutura. Desde 2017, o Brasil é o principal provedor de alimentos para os chineses. É uma circunstância que torna natural a busca das duas nações por estreitar laços e incrementar negócios. A aproximação, porém, não deve comprometer a postura histórica de diplomacia nacional de não alinhamento automático a potências.
Uma participação plena no plano de Pequim implicaria ao Brasil a percepção de perda de autonomia geopolítica
Nesta linha, foi prudente o Brasil ao formalizar na semana que passou vários acordos com a China, mas não aderir formalmente ao projeto Cinturão e Rota, que prevê aportes trilionários em obras e outros projetos em países que aceitem integrar a iniciativa. Uma participação plena no plano de Pequim implicaria na percepção de perda de autonomia geopolítica e de certa submissão aos interesses chineses no tabuleiro das disputas globais. A cautela é ainda mais necessária diante da chegada de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos. O republicano tende a escalar o conflito econômico com a China e ser mais agressivo em questões comerciais. Não é o momento para movimentos que podem ser compreendidos como pró-China e de afastamento dos EUA e demais países ocidentais.
Ainda assim, faz sentido fechar parcerias estratégicas com a China, incrementar o intercâmbio tecnológico e buscar abrir o mercado para novos produtos nacionais. Na visita do presidente Xi Jinping a Brasília, na quarta-feira, foram assinados 37 acordos bilaterais em áreas como agricultura, infraestrutura e indústria. Optou-se por tratar a aproximação como uma procura por “sinergias”. Ou seja, casar ofertas chinesas com os objetivos brasileiros incluídos em iniciativas como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Nova Indústria Brasil (NIB).
O desafio brasileiro é diversificar a pauta de exportações para a China. As dificuldades residem, sobretudo, na baixa competitividade da indústria em comparação aos custos chineses. Mas há outras oportunidades, como a atração de indústrias chinesas em áreas como tecnologia e da cadeia de veículos elétricos. Em missão na Ásia, o governador Eduardo Leite iniciou na sexta-feira a visita à China, também com este objetivo de atrair investimentos
O mundo vive dias conturbados que dividem as grandes potências e seus aliados, com desdobramentos imprevisíveis tanto no campo dos conflitos armados como comerciais. O Brasil é uma democracia, como EUA e países europeus. De outro lado, faz parte de instituições como o Brics ao lado da Rússia do autocrata Vladimir Putin e da China, uma ditadura. A prioridade brasileira deve ser defender os próprios interesses, mantendo uma equidistância dos polos e afastando-se de seus conflitos. É uma posição que permite extrair vantagens de negociações com ambos os lados. O Brasil já é fornecedor seguro e preferencial de commodities para a China, o que garante condições diferenciadas na hora de costurar acordos.