Poucas pessoas perceberam um fenômeno justaposto que se dá neste momento em terras paraguaias. É importante enfatizar a justaposição. Por quê? Porque, ora, é da essência desse fenômeno que ele ocorra com protagonistas diferentes ao sabor do momento e do contexto. Refiro-me à reeleição, que, convenhamos, costuma ser algo cobiçado por políticos que querem se perpetuar no poder.
Fernando Henrique Cardoso a aprovou com o requinte de ter o processo todo sob suspeita de consciências compradas no Congresso. O PT estrilou. Lula se aproveitou garbosamente daquilo que criticara e ficou oito anos no trono. Até costurou discretamente a "re-reeleição", mas não rolou o clima propício, e ele sacou Dilma da cartola pensando no próprio retorno. Tucanos piaram alto! Na Argentina, Néstor Kirchner pôs a própria mulher no seu lugar, pensando num revezamento legal, mas pra lá de duvidoso em termos éticos. Na Venezuela, Chávez poderia ter sido eterno, não fosse a própria finitude humana. Já Maduro cancelou eleições, boicotou o referendo revogatório e se mantém apesar da impopularidade em meio ao caos. Ah, e tem a Bolívia. Evo Morales tentou a reeleição perpétua, mas amargou derrota constrangedora na consulta popular.
O que, enfim, ocorre de tão especial no Paraguai? A direita do presidente Horacio Cartes e a esquerda do ex-presidente Fernando Lugo (2008-2012) defendem ao mesmo tempo a reeleição. Não, não temos aqui um caso de consciência cívica comum pelo bem geral da nação guarani. O detalhe, e o Diabo mora nos detalhes, é que Cartes cogitou a permanência, e Lugo quer voltar, em um sistema que reflete o pavor paraguaio pelos 35 anos da ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989) ao não permitir sequer a eleição de ex-presidentes. Essa regra os uniu.
Os paraguaios sentiram o brete. Perceberam: os políticos se uniram pelos próprios interesses, mesmo que em trincheiras opostas. Uma união improvável, mas compreensível. Talvez seja esse desespero que os levou a incendiar o Congresso e gritar nas ruas de Assunção e demais cidades.
Mas eis que surge um político bradando contra a ganância pelo poder ilimitado. É o presidente do Partido Liberal, Efraín Alegre. O que será que o motiva a se digladiar pela moralidade contra Cartes e Lugo, que tentam se habilitar para concorrer em 2018? Uma dica: Alegre é pré-candidato.
Por ora, o Brasil de Temer não discute esse assunto. Não há muito o que falar sobre reeleição quando o presidente nem eleito foi para tentá-la. O foco está na operação Lava-Jato. Mas não se surpreenda caso a classe política brasileira se una, da direita à esquerda, por algo de comum interesse.
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