Para quem ainda não sabe, o tudologista é o especialista em tudo. Se você perguntar: tudo, mas como assim? Em qual área? Já são sinais de que não entendeu o conceito, tudo é tudo mesmo. O verdadeiro tudologista tem resposta ou opinião sobre qualquer assunto.
Existem duas classes de tudologistas, os práticos e os filosóficos. Embora os dois dominem os segredos do cosmo, os práticos são mais atentos aos detalhes do cotidiano, de como chegar ao cerne da sabedoria e de tudo mais através do banal. Encontramos com mais frequência este primeiro exemplar de pedagogo obstinado, que nos ensina a fazer melhor todas as rotinas da vida.
Já o tudologista filosófico está consertando o mundo na internet.
Esses dias, tive a felicidade de ter um tudologista ao meu lado, na churrasqueira. Ele me ensinou a essência do processo do cozimento da carne e a transcendência dos meus pequenos gestos. Foi preciso humildade e calma, ainda mais tendo uma faca de carne na mão, pois o mestre me apontou falhas imperdoáveis na condução do preparo da refeição.
A primeira coisa que descobri foi que fiz o fogo errado. Não que não fosse fogo, mas ele me apontou como desperdicei tempo e energia não propiciando o melhor rendimento térmico. Para salgar a carne, outra lição de fisiologia e química aplicada à culinária. O tempo e a quantidade usados estavam errados em vários itens. Senti que não cozinhava, apenas desperdiçava recursos úteis ao planeta. A filosofia de fundo é que existem mil maneiras de fazer algo, mas só uma é a certa: no caso, a dele.
Pelo menos o desperdício não era tão grande, pois, como ele me explicou, a carne comprada não era grande coisa, nem adequada para a ocasião. Pelo aspecto, aroma, cor, textura, precisão do corte e outros quesitos, era um bagulho que um espertalhão passou para um trouxa – no caso, eu.
Ao espetar a carne, mais uma revelação. Não deveria ser nem tão rente, nem da maneira que fiz. Decididamente, não sei nada sobre feixes de fibras e a penetração do calor na carne. Nem como, nem quanto e muito menos por onde a gordura deveria escorrer. Não adianta dizer: então você espeta! Acontece que o tudologista não faz, ele ensina, esse é seu papel no mundo.
O tudologista é um missionário de seu saber, um professor nato que brinda os outros com sua sapiência. O tudologista sabe que o caminho da boa pedagogia é a paciência, ele pode te repetir a explicação mil vezes, e se chegar uma nova pessoa no recinto ele recomeça do princípio. Os tudologistas não cansam, a verdade lhes dá uma energia infinita. Por isso, um conselho: não contrarie um tudologista.
Fiz o churrasco enquanto ele explicava para as mulheres a alquimia da verdadeira maionese. Só escutava, ao longe, como os coloides são sensíveis ao ritmo do fouet e os riscos da acidez elevada dos óleos de oliva.
Mas existe uma generosidade extra do tudologista que se expressa na prática: por mais que a comida seja errada do começo ao fim, ele, com seu apetite, redime o cozinheiro das críticas.
Como forma de respeito, apesar do meu fracasso como assador e anfitrião, ele comeu muito. Também, dentro desse mesmo espírito construtivo e apoiador, bebeu bastante da cerveja. Embora já tivesse ressaltado que ela não harmonizava com essa carne, nem com a temperatura do dia, nem estava na temperatura certa e que tampouco é correto tomá-la nesta estação. O estômago do tudologista abençoa nossos esforços e perdoa nossos erros. Em seu âmago, ele só deseja nosso bem.