Mil vidas valem mais do que uma. O título não poderia ser mais apropriado para o livro de memórias da lenda do cinema francês Jean-Paul Belmondo. Aos 83 anos e com mais de 80 longas-metragens no currículo, o ator, ícone nos anos 1960 do “charme viril à la française” e estrela do cult Acossado, decidiu contar pela primeira vez suas inúmeras vidas em uma autobiografia (Fayard, 320 páginas), lançada neste mês na França. Simultaneamente, saiu do prelo, pela mesma editora, um álbum de fotos de mais de 300 páginas com imagens retiradas de seu arquivo privado. Versátil nas telas, Belmondo diz que apreciava tanto protagonizar perigosas cenas de ação sem recorrer a dublês (como em O magnífico, quando chegou a quebrar o tornozelo) quanto atuar no improviso, sem texto, para o cineasta Jean-Luc Godard, o enfant terrible da Nouvelle Vague.
Incansável sedutor, acumulou amantes na sétima arte, entre elas a primeira Bond girl do cinema, Ursula Andress, com quem viveu por seis anos, e a musa italiana Laura Antonelli, numa relação de oito anos. Entre suas lembranças, Bebel, como é carinhosamente chamado pelos franceses, confidencia que, certa época, furtava a garrafa de leite depositada diariamente ao pé de uma das portas da vizinhança – e depois foi descobrir que as vítimas de sua delinquência cotidiana eram o casal Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir.
Em 2001, um acidente vascular cerebral (AVC) deixou Belmondo sem fala por dois anos. Pessimistas, os médicos lhe diagnosticaram um mutismo permanente, o que acabou não ocorrendo: “Precisei de muita força de vontade, pois queria tanto vencer isso. Hoje, gostaria de dizer àqueles que sofreram um AVC para manterem a esperança, não se deixarem abater. Pode-se recuperar a fala”. Ele procura manter igualmente o otimismo com o seu país. Confessando-se “perplexo”, desabafou em uma entrevista: “Estou inquieto, como todos os franceses. O que se passa é grave. Os atentados me abalaram, tenham sido em Paris, em Nice ou em Saint-Étienne-du-Rouvray. Não compreendo este mundo que parece ter enlouquecido. Não sei em quem votar. Sinceramente, entre os candidatos, ninguém me inspira. Mas irei votar, como sempre fiz. Contra Marine Le Pen (líder da direita radical) e contra todos os extremismos”.
Monsieur 4%
O presidente François Hollande mantém o mistério sobre sua eventual candidatura a um segundo mandato no comando do país. Com eleições presidenciais marcadas para abril/maio do ano que vem, suas chances de vitória diminuem progressivamente. Mesmo seu entourage, até então fiel ao chefe, começa a abandonar o barco. Recentemente, Hollande alcançou o recorde de impopularidade nas pesquisas de opinião: apenas 4% dos entrevistados aprovaram seu governo. O magro desempenho é bem inferior aos índices registrados por seus antecessores em final de mandato, seis meses antes dos pleitos presidenciais.
Aprovação dos presidentes no fim do mandato
François Mitterrand - 60% (reeleito em 1988)
Jacques Chirac - 57% (reeleito em 2002)
Valérie Giscard d’Estaing - 51% (não reeleito em 1981)
François Mitterrand - 42% (não se candidatou em 1995)
Jacques Chirac - 24% (não se candidatou em 2002)
Nicolas Sarkozy - 24% (não reeleito em 2012)
Hollande, já apelidado por adversários de Monsieur 4%, deverá anunciar sua decisão antes do final do ano. Se optar por brigar por um novo período no Palácio do Eliseu, terá de disputar as primárias do Partido Socialista (PS), algo incomum em se tratando de um presidente no cargo, num embate em que as sondagens, hoje, não lhe indicam vitorioso.
A riqueza dos modernos
Entre os programas imperdíveis atualmente em Paris, está uma visita à Fundação Louis Vuitton. Não para ver/rever seu prédio futurista, o elogiado e também controverso projeto arquitetônico de Frank Gehry, mas para extasiar-se com a mostra atualmente em cartaz em seus espaços: Ícones da arte moderna: a coleção Chtchoukine.
O russo Sergueï Chtchoukine (1854-1936), rico industrial e conhecido mecenas em seu país, considerado um ousado visionário, acumulou no início do século passado uma das mais impressionantes coleções de arte moderna do mundo. Em 1918, no rastro da Revolução Russa, fugiu clandestinamente para Paris, e seu valioso acervo foi nacionalizado por Lênin. Mais tarde, em 1948, Stálin ordenou a dispersão das obras nos museus Hermitage, de Leningrado (hoje São Petersburgo), e Pouchkine, de Moscou. A Fundação Louis Vuitton e os dois museus russos se associaram agora para revelar 127 quadros e esculturas, uma parte da incomparável coleção, na capital francesa.
Até 20 de fevereiro de 2017, o privilegiado visitante poderá admirar 29 Picasso, 22 Matisse, 12 Gauguin, oito Cézanne, além de obras de Monet, Van Gogh, Courbet, Renoir, Pissarro, Toulouse-Lautrec, Degas, Sisley, Vuillard, Signac, Douanier Rousseau, Fantin-Latour e ainda muitos outros. A exposição tem registrado um público em torno de 8 mil pessoas por dia, e a estimativa é de chegar a 1 milhão de visitantes, superior ao recorde de 913 mil alcançado pelo Grand Palais, em 2010, com a mostra de Monet.