Não é possível simplificar a situação venezuelana fazendo comparações vazias com o impeachment de Dilma Rousseff no Brasil. Tanto é assim, que o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), o esquerdista Luis Almagro (ex-chanceler do insuspeito Pepe Mujica), foi contra o processo brasileiro por uma série de motivos que elencou na ocasião, mas é totalmente a favor do referendo revogatório na Venezuela e define o presidente Nicolás Maduro como “ditador”. O primeiro ponto é justamente este: o impeachment no Brasil provocou longas discussões a respeito da sua legitimidade, uma vez que necessitaria de um crime de responsabilidade. O referendo revogatório venezuelano é instrumento político constitucional de recall. Não tem cabimento que seja chamado de “golpe parlamentar”. As diferenças começam aí e são tão profundas quanto o Mar do Caribe.
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Outra: o chavismo em geral e Maduro em particular são peculiares: 1) mais de cem presos políticos; 2) cancelamento de eleições regionais em que a derrota do governo é tida como certa (e a manutenção artificial da maioria de governadores); 3) altíssima truculência; 4) suspensão da coleta de assinaturas para o referendo revogatório em que também a derrota de Maduro é certa; 5) uso desmedido das emissoras públicas em proveito próprio; 6) confusão entre governante e a figura da pátria (o oposicionista é um “apátrida”); 7) rejeição ao Legislativo, com a apresentação da lei orçamentária ao Judiciário tomado pelo chavismo; 8) caos socioeconômico e falência institucional; 9) uso de estratégias como a de conversar com um “passarinho médium”, supostamente incorporado por Hugo Chávez; 10) ausência de qualquer traição intestina, mas sim a existência do clamor de quem enfrenta milícias oficiais, fica horas em filas para comprar um quilo de farinha, passa fome e morre por não ter acesso a alimentos e remédios. Enfim, não digam que se arma um golpe parlamentar na Venezuela. O que ocorre lá é inquestionavelmente legítimo. Maduro, depois de inviabilizar os procedimentos previstos na agenda institucional, diz agora que quer conversar. Mas sobre o quê?