A crise institucional venezuelana se aprofunda no buraco de um impasse que parece sem solução. Depois de adiar as eleições regionais para manter uma falsa maioria entre os governadores e de suspender o processo do referendo revogatório, o presidente Nicolás Maduro diz que vai dialogar. Pois então... e o Parlamento da Venezuela, de maioria opositora, aprovou dar início a um julgamento "político e penal" contra Maduro para determinar sua responsabilidade na "ruptura do fio constitucional" com a suspensão do referendo revogatório, ao que o presidente reagiu com a convocação do Conselho de Defesa para enfrentar o "golpe parlamentar". A Assembleia Nacional Legislativa determinou a comissão que prepare um estudo "sobre a responsabilidade" penal e política e "o "abandono do cargo" - uma figura prevista na Constituição quando o presidente deixa de exercer suas atribuições. Os militares saíram a público para reiterar sua "lealdade incondicional" a Maduro. Hmmm... Pouco antes da votação, o deputado Diosdado Cabello, número dois do chavismo, tinha qualificado a iniciativa de "absurdo", lembrando que o parlamento foi declarado em "desacato" pela Justiça (que é totalmente dominada pelo governo) e suas decisões, consideradas nulas. A Venezuela passa por uma gravíssima crise socioeconômica, com desabastecimento de 80% da cesta básica, a maior inflação do mundo e índice de homicídios equiparável ao de países em guerra. No campo institucional, o diálogo está rompido, e há mais de cem presos políticos no país. Do Exterior, ONGs de direitos humanos, a OEA e a ONU criticam o autoritarismo do regime chavista. Na Venezuela, nesta quarta-feira, diversas manifestações falam em "tomada" do país, partindo do princípio de que ele vive sob uma ditadura.
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Em vídeo, o que vimos na Venezuela
Pesquisa do instituto Datanálisis mostra que
60%
dos venezuelanos votariam para destituir Maduro no referendo que foi suspendo pelo governo e que, se for realizado depois de 10 de janeiro, não levará a nova eleição, mas à substituição do presidente pelo vice. O vice na Venezuela, por sua vez, é escolhido a qualquer momento pelo chefe do Executivo, em um processo semelhante ao dos ministros. Ou seja, Maduro poderia pôr um "laranja" para governar durante três anos - com ele, claro, dando as cartas do poder.
Para entender a atual situação venezuelana, leia este "perguntório":
O parlamento pode destituir Maduro?
Em tese, sim. Mas, ainda que a Assembleia - que tem maioria opositora - declare "responsabilidade política" de Maduro pela suspensão do referendo contra seu mandato, o parecer precisa ser submetido a dois órgãos controlados pelo chavismo: o Conselho Moral Republicano (do Poder Cidadão, que monitora os demais Poderes) e o Tribunal Supremo de Justiça, tomado pelo chavismo.
O que é o referendo revogatório?
Mecanismo constitucional que pode encerrar antecipadamente o mandato de qualquer governante, se for o desejo da maioria da população. Para ser convocado, devem ser reunidas assinaturas em duas etapas. Na 1ª, é preciso 1% do eleitorado (ou 200 mil) e, na 2ª, 20% (ou 4 milhões). A oposição apresentou 1,9 milhão de assinaturas na 1ª fase. Na semana passada, a Justiça anulou a coleta feita em 5 Estados, levando à suspensão do processo.
O que quer a oposição?
Que o referendo aconteça antes de 10.jan.2017. Até essa data, se Maduro for derrotado, novas eleições são convocadas. Se ocorrer depois e Maduro perder, quem assume é o vice-presidente, que hoje é o chavista Aristóbulo Istúriz. Maduro, porém, pode pôr quem ele quiser nessa função. Chegou-se até a cogitar que ele colocaria a própria mulher, a advogada Cilia Flores.
Sobre os protestos e o contexto desta quarta-feira:
A oposição venezuelana se mobiliza nesta quarta-feira em várias cidades, em uma demonstração de força após o duro golpe recebido com a suspensão do processo de referendo revogatório que impulsiona contra o presidente Nicolás Maduro, o que elevou a tensão política no país. "Hoje, 26 de outubro, nós, venezuelanos, nos mobilizamos em defesa de nossos direitos constitucionais e contra o golpe (de Estado)", afirmou no Twitter o ex-candidato presidencial Henrique Capriles, principal promotor do referendo. Em Caracas, dezenas de milhares de pessoas se concentraram em sete pontos e se dirigiram à estrada Francisco Fajardo (leste), com o tráfego interrompido devido à chegada dos manifestantes. Vestidos em sua maioria com camisas brancas e bonés com a bandeira da Venezuela, vários manifestantes carregavam cartazes escritos a mão. "Não vamos nos render. Revogatório já", dizia um deles. Várias lojas do leste da capital permaneciam fechadas, e sete estações do metrô da cidade foram bloqueadas "para a proteção dos usuários", segundo a empresa administradora. A chamada "Tomada da Venezuela" ocorre no que deveria ser o primeiro de três dias para a coleta de 4 milhões de assinaturas (20% da lista eleitoral), último passo antes da convocação para referendo. Ao cumprir este requisito, a oposição queria evidenciar a rejeição majoritária ao governo de Maduro, ao qual seis em cada dez venezuelanos está disposto a revogar, segundo o Datanálisis. Mas o processo foi suspenso na semana passada por tribunais penais regionais, que acolheram denúncias de fraude apresentadas pelos governistas em uma primeira etapa da coleta de assinaturas. Governo e oposição, que se acusam mutuamente de "golpismo", exploram ao mesmo tempo a possibilidade de um diálogo com a mediação do Vaticano, em meio à aguda crise socioeconômica. O governo culpa pela crise econômica "empresários de direita" que buscam desestabilizá-lo, mas a oposição responsabiliza o modelo chavista e sustenta que o revogatório era a última "válvula de escape" de uma população cansada de fazer longas filas para conseguir os poucos produtos a preços subsidiados. Também para esta quarta-feira, Maduro convocou o Conselho de Defesa da Nação, do qual participam os poderes públicos e no qual se propõe abordar o que considera um "golpe parlamentar", em referência a um julgamento de responsabilidade política que a Assembleia decidiu iniciar contra ele. Nos arredores do palácio presidencial de Miraflores os seguidores do governo também se reuniam em outra manifestação. "A força da oposição são os votos do povo", diz o cientista político Luis Salamanca, que considera que a suspensão do processo revogatório "colocou o conflito político em um ponto crítico". Em dezembro de 2015, a oposição venceu amplamente nas eleições legislativas e pela primeira vez em 17 anos de chavismo conquistou a maioria parlamentar. No entanto, a justiça declarou a Assembleia em desacato e seus atos são considerados nulos. "A Assembleia Nacional foi esvaziada de suas competências. É uma dissolução a conta-gotas. O capital político é da MUD, mas o governo tem o poder. Para que a oposição alcance o resto dos poderes é preciso realizar eleições", diz Salamanca. No entanto, desprovido da possibilidade de mobilizar seus seguidores em um evento eleitoral imediato, o desafio lançado pela oposição é o protesto. Cogitado para domingo em Isla Margarita (norte), o início do diálogo mediado pelo Vaticano foi desmentido pelos mais importantes dirigentes opositores, mas posteriormente eles disseram estar dispostos a participar da mesa se as negociações forem realizadas em Caracas. "Temos a possibilidade de ter um árbitro com alcance planetário, como é o Vaticano. Sugerimos que o encontro seja em Caracas, teremos que entrar em acordo", afirmou Torrealba. Maduro disse que no domingo estará em Margarita para a instauração da mesa. "Para nós o diálogo não tem alternativa", alfinetou. Salamanca sustenta que na Venezuela "a corda foi puxada, com o risco de se romper. É vital evitar que o confronto aumente para um confronto com sangue. Se o diálogo pode servir para alguma coisa, é para evitar isso".