A Venezuela se isola cada vez mais. O secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, criticou nesta sexta-feira o anúncio da autoridade eleitoral venezuelana que sepultou o referendo revogatório contra o presidente Nicolás Maduro este ano, acusando o órgão de criar obstáculos e agir com "viés político". O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) de Venezuela está "dificultando um direito constitucional e atuando com um claro viés político", afirmou Almagro, em um comunicado da OEA.
Detalhe 1: o uruguaio Almagro é um homem de esquerda, ex-chanceler de José Pepe Mujica. No Brasil, se opôs veementemente ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. Viu o processo brasileiro como ilegítimo. Na Venezuela, apoia o referendo revogatório, instrumento político previsto na Constituição como recall do presidente a partir da metade do mandato. Ou seja, está longe de ser um agente do imperialismo, como gosta de dizer o presidente Nicolás Maduro.
Detalhe 2: o CNE é composto de alinhados ao governo chavista, e a transferência do referendo para o ano que vem torna inócuo. Por quê? Porque, sendo realizado até 10 de janeiro, abre-se o caminho para nova eleição presidencial. Já se ocorrer depois dessa data (e a derrota de Maduro é tida como certa), assumirá o vice, e o vice, na Venezuela, é escolhido pelo presidente como quem escolhe qualquer ministro. Ou seja, Maduro poderia pôr no lugar um aliado, que serviria como presidente de fachada para ele continuar dando as cartas.
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Para Almagro, o CNE fez "uma manobra para dilatar o processo e impedir que o referendo revogatório se torne realidade este ano".
"Não é possível que continuem violando os prazos constitucionais, não é possível que continuem manipulando a vontade dos eleitores, é totalmente inadmissível que se pretenda cortar os direitos civis e políticos por meio de interpretações tendenciosas do CNE", acrescentou.
O CNE descartara na quarta-feira que o referendo revogatório do mandato do presidente Maduro possa ser realizado ainda este ano, forçando a oposição a rever sua estratégia de pressão para remover o governo chavista.
"O evento poderá acontecer em meados do primeiro trimestre de 2017", afirmou o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) em comunicado, após reunião com representantes da oposição e do governo. No encontro, o CNE estabeleceu que a próxima etapa do processo - a coleta das 4 milhões de assinaturas necessárias para convocar a consulta - será de 26 a 28 de outubro.
O órgão eleitoral destacou que, se essa exigência for cumprida, a consulta poderá ser convocada no início de dezembro. A partir dessa data, transcorrerão os 90 dias "regulamentares que o organismo tem" para implantá-la.
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"O evento poderá acontecer em meados do primeiro trimestre de 2017"
Conselho Nacional Eleitoral (CNE), em comunicado
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O porta-voz do departamento americano de Estado John Kirby informou que "os Estados Unidos estão preocupados com o anúncio do CNE de que o processo do referendo revogatório não se completará até 2017".
"Esta decisão, as contínuas restrições aos meios de comunicação e outras ações que debilitam a autoridade da Assembleia Nacional privam os cidadãos venezuelanos da oportunidade de desenhar o futuro de seu país".
Kirby exortou o "Executivo da Venezuela a se comprometer com diálogo sério tanto com a oposição como com os venezuelanos de todo o espectro político".
A oposição considera o referendo uma "válvula de escape" para as crises econômica e política que abalam a Venezuela, onde há violência endêmica, prisões políticas e escassez de 80% dos alimentos e medicamentos, em meio a uma inflação projetada pelo FMI de 720% para 2017.
A oposição venezuelana se declarou em "sessão permanente" para definir medidas de pressão, depois do anúncio do CNE.