Se você acha que a situação institucional está complicada na Venezuela, prepare-se: pode piorar ainda mais. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) afastou a possibilidade de o referendo revogatório contra o presidente Nicolás Maduro ser realizado este ano, como pretende a oposição, após anunciar as etapas que ainda faltam para chegar à convocatória. A presidente do órgão eleitoral, Tibisay Lucena, anunciou que a coleta das 4 milhões de assinaturas necessárias para convocar o referendo se realizará no fim de outubro. Xiii...
- Se forem cumpridos todos os requisitos estabelecidos na norma, a coleta de assinaturas de 20% (do padrão eleitoral) será realizada até o final de outubro - afirmou afirmou Tibisay, em pronunciamento na sede do CNE.
Aparentemente inocente, a declaração é uma bomba. O anúncio de Tibisay, transmitido pela TV estatal, caiu como um balde água fria na coalizão Mesa da Unidade Democrática (MUD), que ratificou seu chamado a um protesto nacional até Caracas, em 1º de setembro, para exigir a data de coleta das firmas.
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- Acusar o poder eleitoral e seus funcionários é uma tentativa de torcer a via constitucional. Busca-se pressionar ao máximo para fazer a população acreditar que a aplicação da lei é um capricho - manifestou a presidente do CNE.
Tibisay reiterou que não admitirá pressões e acusou os Estados Unidos de se pronunciarem sobre o CNE "no tom infame do especialista em democracia".
- Assediar o poder eleitoral e seus funcionários é uma tentativa de torcer a via constitucional - disse a presidente do órgão eleitoral.
Conforme Tibisay, depois de a oposição reunir as assinaturas, o que precisa fazer em três dias, o CNE terá "entre 28 e 29 dias" para verificá-las.
Se as assinaturas forem aprovadas, será convocado um referendo para que seja realizado no prazo máximo de três meses. Esse trâmite pode se estender até o final de fevereiro ou início de março, e isso, na prática, inviabiliza a iniciativa da oposição. Por quê? Porque, não ocorrendo antes de 10 de janeiro, o referendo revogatório será só de fachada. Depois dessa data, a consulta pode ocorrer, mas, com o probabilíssimo afastamento de maduro pelo voto popular, direto, constitucional e legítimo, assume o vice. Só que o vice, na Venezuela, não é eleito com o presidente. É indicado a qualquer momento, como um ministro qualquer. Nesse contexto, é lógico que Maduro escolherá alguém e governará por trás. Já se cogitou até que o nome seja o da procuradora Cilia Flores, mulher de Maduro.
O líder oposicionista Henrique Capriles, maior defensor do referendo como estratégia, mostrou toda sua contrariedade em entrevista coletiva. Ex-candidato à presidência venezuelana (derrotado por Maduro), ele classificou a declaração da presidente do CNE como "um exercício de cinismo e mentiras".
- Não se atreva a dizer que não haverá referendo este ano, porque sabe muito bem que trancar a via democrática, a janelinha democrática, coloca a Venezuela em uma situação extremamente perigosa - afirmou Capriles.
E aqui entra a opinião deste colunista: Capriles tem razão. Ele representa a vertente moderada da oposição. Há outras duas vertentes. Uma delas defende a aprovação de uma reforma constitucional que diminua de seis para quatro os anos do mandato presidencial, valendo já para o de Maduro e, assim, mudando as regras em meio ao jogo. Outra quer, simplesmente, levar a população às ruas e, mediante protestos intensos, forçar Maduro a renunciar.
Ou seja, o referendo é a opção democrática, legítima e constitucional. É um instrumento previsto constitucionalmente, uma espécie de recall de meio do mandato de seis anos. Pode ser aplicado no terceiro ano. Tudo liso e limpo.
Maduro reagiu a Capriles afirmando que os "planos que vocês (a oposição) têm de violência serão derrotados pela consciência majoritária do povo e por um governo que saberá conquistar a paz". E continnuou:
- Vamos garantir a paz, a independência, a soberania política e a revolução bolivariana junto ao nosso povo.
O CNE conta com 15 dias seguidos para analisar a solicitação e com 15 dias úteis (entre 24 de agosto e 13 de setembro) para anunciar a data e pontos de coleta das 4 milhões de assinaturas no país.
- Se o CNE se empenhar em atrasar desnecessariamente o referendo revogatório, ele poderia acontecer entre fevereiro e março - estimou Eugenio Martínez, especialista venezuelano em assuntos eleitorais.
Diversos analistas asseguram que o referendo poderia ocorrer no mais tardar em 4 de janeiro, mas advertem que isso depende da vontade política do CNE.
A oposição define o órgão eleitoral, porém, como um departamento do governo.
O constitucionalista José Ignacio Hernández opinou que "se está atrasando arbitrariamente o referendo". De acordo com Hernández, acontecer em 2016 depende "da vontade do CNE de cumprir a lei".
- Apenas o controle da população pode conseguir isso - acrescentou.
Acusando-a de fraude na coleta de assinaturas, o governo move 8.600 recursos legais contra a MUD no Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) e, na semana passada, já havia pedido ao CNE para inabilitá-la como ator político.
- Legal e juridicamente, o referendo feneceu - disse o chavista Jorge Rodríguez.
- Já havíamos dito que era completamente impossível que se pudesse cumprir os intervalos para realizar um referendo revogatório em 2016 e tenho certeza, pelos ventos que sopram e pela fraude em massa cometida, que tampouco fará o referendo em 2017 - acrescentou o chavista.
Luis Emilio Rondón, único dos cinco diretores do CNE próximo à oposição, assegurou à imprensa que "não há impedimento jurídico, tecnológico, logístico" para que o recolhimento das assinaturas dos 20% seja feito antes de outubro. Ele condenou o "atraso" do processo.
Este texto começou dizendo que a situação pode até piorar na Venezuela.
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