A Venezuela segue sua sanha de más notícias e enfrentamentos permanentes. O governo venezuelano ordena agora a ocupação da empresa americana Kimberly-Clark, que encerrou a produção de artigos de higiene pessoal alegando piora das condições econômicas. "Vamos assinar a solicitação que nos foi feita pelos trabalhadores, onde apresentaremos (...) a ocupação imediata da entidade de trabalho Kimberly-Clark da Venezuela (...) por parte dos trabalhadores", disse o ministro do Trabalho, Oswaldo Vera, no prédio da companhia na cidade de Maracay, que produz especialmente papel higiênico. Ao assinar o documento, em meio a aplausos dos funcionários, Vera ordenou ligar as máquinas.
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"A Kimberly-Clark volta a abrir suas portas, sua produção", continuou o ministro, que reiterou a advertência do presidente Nicolás Maduro de intervir nas empresas que paralisarem as atividades. "Bem-vindos ao setor empresarial que quer acompanhar o governo, mas empresa que é fechada, é empresa que será ocupada e aberta pelos trabalhadores e pelo governo revolucionário".
No último sábado, a Kimberly-Clark anunciou a paralisação das suas operações falando sobre uma "carência de divisas" para adquirir matéria-prima e "o rápido aumento da inflação". De acordo com comunicado da multinacional, esse fatores tornam "impossível operar". A fabricante de papel higiênico e fraldas, entre outros produtos, declarou que "se as condições mudarem" avaliará no futuro "a viabilidade" de retomar as atividades. A Kimberly-Clark destacou que agora "o governo venezuelano será o responsável pelo bem-estar dos trabalhadores e pelos ativos físicos, equipamentos e máquinas" da unidade ocupada.
Há dois meses, Maduro advertiu que "fábrica parada será fábrica tomada pelos trabalhadores". A lei venezuelana autoriza a ocupação de fábrica no caso de "fechamento ilegal ou fraudulento" de uma empresa ou de lockout.
Na Venezuela vigora desde 2003 um férreo controle sobre o câmbio, com o governo monopolizando a distribuição de divisas, cada vez mais escassas diante da queda dos preços do petróleo, que gera 96% das receitas do país. Conforme a Fedecámaras - principal associação empresarial venezuelana - mais de 85% da indústria estava paralisada em maio passado por falta de matéria-prima. O governo também fixa o preço de muitos alimentos e produtos básicos, o que, segundo os empresários, inviabiliza os custos de produção.
Na noite de segunda-feira, Maduro revelou que o Citibank encerrará em um mês a conta utilizada pelo Banco Central da Venezuela (BCV) para seus pagamentos internacionais. "O Citibank, sem aviso, disse que em 30 dias vai encerrar a conta do Banco Central e do Banco da Venezuela. Isso se chama boicote financeiro", declarou Maduro em rede nacional de TV. Conforme Maduro, através desta conta a Venezuela paga "em 24 horas todos os débitos (...) nos Estados Unidos e no mundo". O presidente venezuelano denunciou que, por trás desse "complô" está o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
"Vocês acreditam que conseguirão nos deter ativando um boicote financeiro? Não, senhores, a Venezuela não será detida por ninguém. Com ou sem Citibank vamos seguir adiante. Com ou sem Kimberly a Venezuela vai", continuou. "O triste é que todos estes ataques são produto de um apelo da direita para a intervenção na Venezuela", declarou Maduro, apontando para a oposição, que promove um referendo revogatório do mandato do presidente.
Em tempo:
1) Este colunista esteve na Venezuela e viu empresário quase chorando porque teria de fechar seu estabelecimento. Os caras querem trabalhar e lucrar.
2) O Barack Obama ao qual Maduro se refere é aquele mesmo presidente americano que está reatando as relações diplomáticas com Cuba.
3) O caos venezuelano não é um simples problema pontual de desabastecimento. É, como dito acima, caos. Desabastecimento total!
4) Os produtos realmente escassearam. Tem gente passando fome, tem gente morrendo em razão da falta dos medicamentos mais básicos.
5) O uso do petróleo como fonte praticamente única de divisas não é culpa dos empresários. A falta de produtos não pode ser atribuída a eles.
6) É evidente que haverá alguns empresários especulando para ganhar em cima da crise. Isso há em todos os lugares. Mas não provoca tamanho estrago.
7) O referendo revogatório é um instrumento constitucional e legítimo de recall na metade do mandato presidencial. Não é impeachment e muito menos golpe.
...enquanto isso, venezuelanos desesperados atravessam a fronteira com a Colômbia para procurar produtos mais básicos, de alimentos a medicamentos.