É difícil encontrar alguém isento de ressentimento, alheio às mágoas, que não remoa ideias de ser preterido. Geralmente supomos que a partilha dos afetos foi injusta, o amor é um inventário litigioso que nunca fecha. Que o digam os irmãos: quase todos acham que o escolhido pelo amor dos pais é outro e que não passam de coadjuvantes. Enquanto filhos, nos distribuímos nos papéis de favorito ou preterido, com franca preferência a ocupar a pior posição.
Para representar esses lugares, nada melhor do que dois "irmãos" que, no Brasil, conhecemos desde criança: Bidu e Bugu. O primeiro é o personagem canino mais importante dos quadrinhos da Turma da Mônica. Ele contracena frequentemente com um penetra que o irrita porque aparece em suas histórias sem outro propósito do que chamar a atenção para si mesmo, nem que seja rapidinho. O intrometido é Bugu, um cãozinho criado pelo irmão mais moço de Mauricio, Marcio de Sousa, também talentoso quadrinhista. Marcio é também responsável por um dos personagens mais poéticos dos quadrinhos da turma: o Louco.
Na história, Bugu não é irmão do protagonista, apenas evoca essa rivalidade fraterna. Ele tem basicamente duas falas: "Alô, mamãe!" e "Adeus, mamãe", a última dita às pressas antes de ser despachado com um pontapé no traseiro para fora do seu fugaz momento de fama.
Irmãos são assim, cada um sente-se um Bugu frente aos outros. Aliás, nem precisam ser irmãos, também consideramo-nos preteridos como alunos frente aos professores, subordinados quanto à chefia, membros de um grupo aos olhos da liderança. Costumamos eleger alguém a quem nós mesmos admiramos para fantasiar que deveríamos ser assim. Poucos estão satisfeitos, às vezes aqueles que são explicitamente preferidos, que sentem-se indignos da escolha, ou cobiçam a proteção dispensada aos mais fracos.
A relação fraterna é uma espécie de matriz para entendermos o quanto dependemos do reconhecimento daqueles que valorizamos, cujo olhar nunca basta para apaziguar nossas inseguranças. "Alô, mamãe" e "adeus, mamãe" são saudações universais, pois a progenitora representa aqueles braços cuja acolhida constitui o primeiro lugar que ocupamos. Se ela nos tomar em seu colo, significa que aquele serzinho sem graça, que nasceu incapaz de tudo, pode candidatar-se a preencher a vaga do filho que ela fantasiou que chegaria durante a gestação.
Infelizmente, pouco acreditamos nisso, sempre elegemos alguém para colocar no lugar do ideal. Bidu, sim, seria o legítimo merecedor dos holofotes, já nós somos apagados Bugus, vivendo de roubar a cena nas poucas chances que se apresentam. Com essa figura de imagem sintética e exíguas falas, os irmãos Mauricio e Marcio conseguiram oferecer às crianças uma forma de elaborar esse sentimento de estar em segundo plano que carregamos até o fim de nossos dias. Na infância e na arte, brincamos com o que nos inquieta.
Desde que abrimos os olhos pela primeira vez, dando um "olá, mamãe", até que os fechamos pela última vez dando um "adeus, mamãe", mesmo que ela já tenha partido, passamos sentindo-nos como Bugu. Para ele, Bidu é o galã, mesmo que não passe do cachorro de um personagem secundário. É uma pena, pois seria bacana que, pelo menos de vez em quando, pudéssemos enxergar-nos através dos olhos de encanto que nosso Bugu interior dedica ao seu idealizado Bidu.