Todos têm seu encanto: os santos e os corruptos. Não há coisa na vida inteiramente má. Tu dizes que a verdade produz frutos... Já viste as flores que a mentira dá? Mario Quintana
Estão a ver as flores que a mentira dá? Estão a ver não os frutos da verdade, mas os da ignorância? Ignorância, Intolerância, Infâmia. A antítese da Igualdade, da Liberdade, e da Fraternidade. Sobre a filha da Ignorância, escrevi para O Estado de S. Paulo artigo intitulado "Intolerância". Surpresa não fiquei com os comentários intolerantes que o texto suscitou. Hoje escrevo sobre a ignorância, mal de todos os males.
A ignorância é aquela que leva britânicos a defender a saída da União Europeia por medo infundado de que seja a ilha invadida por imigrantes. O medo e a ignorância – o ato de ignorar que imigrantes poderão vir, esteja o Reino Unido na UE ou não –, superam qualquer outro sentimento ou raciocínio. Como o de que o Reino Unido pode revelar-se profundamente desunido por um plebiscito descabido, concebido sem muita reflexão. A Inglaterra, 85% do Reino Unido, está dividida entre ficar ou sair da UE. A Irlanda do Norte e a Escócia são convictamente a favor da permanência. Se os 85% prevalecerem, há risco nada desprezível de esfacelamento britânico. Ignora-se, igualmente, que o Reino Unido exporta mais da metade de seus produtos e serviços para a UE. Caso decidam pela saída, haverá baque estupendo nos empregos, na atividade, nas receitas de exportação. O que a Inglaterra paga para participar sem barreiras do mercado comum europeu é pouco diante do que teria de pagar para ter acesso ao mercado comum se não mais pertencesse à UE. Como a Noruega e a Suíça, teria de contribuir para o orçamento da UE, teria de aceitar as mesmas regras e padrões definidos por Bruxelas sem ter qualquer voz, qualquer poder de influência. Mas a ignorância domina, a xenofobia domina. E quando o medo se torna insuportável, resulta na morte de parlamentar influente, mulher jovem, 41 anos, defensora da permanência da ilha na Europa, brutalmente assassinada por simpatizante do UKIP, partido de extrema-direita, eurocético.
Medo, ignorância, morte. Antes da britânica Jo Fox, foram 49 mortos em Orlando por indivíduo profundamente perturbado por seus próprios medos e preconceitos, medos e intolerâncias. A intolerância que aflorou no dia seguinte do segundo pior atentado da história dos EUA nas palavras do candidato republicano Donald Trump: Expulsem os muçulmanos!. Confesso que surpresa fiquei quando descobri a quantidade de brasileiros, brasileiros que moram no Brasil, diga-se, que apoiam o ignóbil Trump. Sim, ignóbil. Afinal, pessoa capaz de insinuar que o presidente dos EUA é simpatizante do Estado Islâmico, que já deu amplas demonstrações de racismo e misoginia, não pode ser chamado de outra coisa.
Ignóbil também na economia. Poucos no Brasil se dão conta do que Trump defende quando o assunto é economia. Ele não defende a agenda liberal dos republicanos na área do comércio exterior e do engajamento com o resto do mundo. Trump é protecionista dos mais extremos em sua retórica. Pretende rever o Nafta, o acordo entre México, EUA e Canadá negociado nos anos 90 por Bill Clinton. Diz que quer rasgar todos os acordos bilaterais dos EUA, como o Korus com a Coreia do Sul. Avisa que quer aumentar as tarifas sobre os produtos chineses para 45%, um absurdo que certamente levaria a retaliações do país asiático, além de disputas na Organização Mundial do Comércio. Trump quer acabar com o Acordo Trans-Pacífico que envolve 11 países além dos EUA, bandeira de Obama e dos republicanos de seu partido. Se suas políticas forem levadas ao pé da letra – e a presidência da República pode, legalmente, repudiar acordos já firmados – Trump incitaria guerra comercial no mundo, poderia até levar à expulsão dos EUA da OMC. "Ah, mas ele não fará nada disso", afirmam alguns. Pouco importa. O dano de seu discurso antiglobalização, anticomércio, pró-isolacionismo manifesta-se pouco a pouco entre países que passaram a olhar os EUA com grande desconfiança.
O movimento antiglobalização que caracteriza o Brexit, como é conhecida a saída possível do Reino Unido da UE, que atiça a retórica de Donald Trump, traz grandes prejuízos para o Brasil. Ainda que isolado do mundo, as propostas do ministro José Serra para o país revelam a vontade de reinserir o Brasil no mundo, de buscar novos acordos comerciais, inclusive com os EUA e com a UE. Embora tais negociações levem anos para serem concluídas, o desejo de abrir-se é muitas vezes suficiente para atrair recursos externos, recursos de que tanto necessitamos para resgatar o país da tragédia econômica. Contudo, em mundo travado por riscos de retrocesso na abertura comercial e no engajamento global, as chances de que a nova política externa brasileira prospere diminuem sensivelmente. Pensem nisso, antes de chegarem a conclusões precipitadas sobre o significado do Brexit, sobre a ascensão de Donald Trump.
Pensem nas palavras de Mario Quintana. Já viram as flores que a mentira dá? E os frutos da ignorância?
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