O Brasil vive um momento político de intenso, de crise, instabilidade, dúvidas sobre o futuro e sobre questões como legitimidade de um governo. Ok. Mas, do Chile à Venezuela, a verdade é que toda a América do Sul está muito estranha... Veja abaixo dois casos reveladores das últimas horas. Na Argentina, o presidente Mauricio Macri, que tomou posse faz menos de cinco meses e está em embate permanente com os sindicatos, sofreu sua primeira derrota no Legislativo e deve tomar a iniciativa impopular de vetar uma lei de alto alcance social. Na Venezuela, o "traidor" e "ditadorzinho" Nicolás Maduro (os qualificativos vêm do secretário-geral da OEA) não deve se limitar ao estado de exceção decretado no fim da semana passada. Agora, já pensa em ir mais longe. Aliás, a Venezuela, onde há presos políticos, inflação projetada de incríveis 700% anuais, desabastecimento de mais de dois terços dos alimentos e medicamentos, pode ser definida como um "caos" e está muito além de todos os outros países naquilo que podemos chamar de pesadelo institucional.
Abaixo, os mais recentes (e preocupantes) desdobramentos na Argentina e na Venezuela. Preste atenção: mais que o presente, o que angustia é o futuro.
Primeira derrota de Macri
O presidente argentino Mauricio Macri sofreu nesta quinta-feira sua primeira derrota legislativa após a aprovação da lei antidemissão promovida pela oposição, à qual se opôs abertamente e cujo veto está previsto para as próximas horas. A Câmara dos Deputados aprovou no início da manhã desta quinta-feira, após uma maratona de debates, o projeto que já havia sido sancionado no Senado em 27 de abril. A iniciativa lançada pela oposição com o apoio sindical tornou-se lei com 145 votos a favor, 3 contra e 90 abstenções. O projeto de lei propõe declarar emergência ocupacional durante seis meses, período durante o qual um trabalhador demitido sem justa causa poderá solicitar sua reintegração imediata ou receber uma dupla indenização. Conforme a imprensa, a abstenção dos deputados da aliança governante de centro-direita foi crucial para a aprovação da lei, que concentrou a atenção da opinião pública nas últimas semanas. Agora, Macri tentará colocar um fim ao debate por meio de seu veto, em uma tentativa de limitar os desgastes políticos. A iniciativa foi promovida pela kirchnerista Frente para a Vitória (peronista de centro-esquerda) e contou, no último minuto, com o apoio da Frente para a Renovação (peronista de centro-direita), liderada pelo ex-candidato presidencial Sergio Massa. O governo Macri implementou uma série de medidas nas últimas semanas para impedir a adoção da regra com o argumento de que a lei é "desnecessária". E nas últimas horas de quarta-feira confirmou que se oporia à promulgação da ferramenta legal. "Temos sido coerentes e, é claro, nós não acreditamos que esta ferramenta legal ajudará os trabalhadores", declarou o chefe de gabinete de Maurício Macri, Marcos Peña, sobre o projeto. Este é o primeiro revés político para Macri depois de sua posse em 10 de dezembro. Pouco depois, em março, ele conseguiu, contra todas as probabilidades, que a maioria da oposição no Congresso aprovasse a lei para emitir um pagamento milionário aos 'holdouts', os fundos abutres, com os quais a Argentina estava em litígio há 15 anos nos EUA. Sobre a lei antidemissão, o Congresso não poderá forçar o presidente a reverter o veto, porque a oposição não conta com os dois terços necessários para tal manobra na Câmara dos Deputados. A lei é apoiada pelos cinco maiores sindicatos o país, que denunciam as cerca de 155 mil demissões desde que Macri se tornou presidente, em um quadro de deterioração social, com aumento da pobreza que atinge 34,5% da população, de acordo com um estudo da Universidade Católica. "Será um erro político grave se Mauricio Macri vetar esta lei. Desta forma, ele estará ignorando o setor trabalhista e uma situação criada por eles próprios, no poder, pelos ajustes", afirmou o deputado Jorge Taboada, da Frente para a Renovação (oposição peronista ao governo e ao kirchnerismo). Alguns líderes sindicais advertiram que, se Macri vetar a lei, vão convocar uma greve geral.
Na Venezuela, Maduro já pensa em decretar "comoção interna"
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, advertiu nesta quarta-feira que já tem pronto um decreto de "comoção interna" para o caso de atos de violência dos que ele define como "golpistas". Faz parte e vai além do estado de exceção que vigora no país. "É um recurso que tenho como chefe de Estado caso na Venezuela ocorram atos golpistas violentos, e não duvidarei em adotá-lo, se necessário, para lutar pela paz e pela segurança deste país (...). Espero que não seja preciso, mas estarei pronto", afirmou Maduro em um ato em Guanta, no Estado Anzoátegui. Quem conhece Maduro sabe que é iminente o anúncio... Maduro não precisou em sua declaração o alcance do decreto de "comoção interna", mas a medida implica em restrição de liberdade, após o estado de emergência econômica e de exceção declarado na sexta-feira passada. Conforme a Constituição, o estado de comoção interna pode ser decretado pelo presidente "em caso de conflito interno ou externo, que coloque seriamente em risco a segurança da nação", com prazo máximo de 180 dias. Maduro, contra quem a oposição promove um referendo revogatório de mandato (previsto constitucionalmente para a metade do mandato presidencial), afirma que a oposição tem como estratégia provocar a violência e propagar a ideia de que a Venezuela enfrenta uma "crise humanitária" para justificar uma intervenção dos EUA. A advertência de Maduro ocorre após protestos convocados pela coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) em cerca de 20 cidades, que terminaram com ao menos 30 detidos em todo o país, segundo seus organizadores. O líder da oposição e governador do Estado de Miranda (centro), Henrique Capriles, afirmou em entrevista coletiva que "houve 23 mobilizações e em cinco ocorreram problemas", os quais atribuiu a sujeitos "infiltrados" por ordem do governo para causar distúrbios na via pública. "Já tínhamos saído e me dizem que houve incidentes, todos dirigidos por infiltrados do governo", que esperaram que a dirigência opositora se retirasse do protesto, afirmou Capriles. De acordo com o presidente, "houve alguns fatos que o governo pretenderá utilizar, esconder-se atrás disso" para desqualificar a manifestação. A oposição reportou, ainda, 17 detenções no estado de Nueva Esparta (leste), a queima ou retenção de ônibus dos manifestantes nos Estados de Barinas e Mérida (sudoeste); e lançamentos de bombas de gás lacrimogêneo e disparos de cartuchos em Carabobo (centro). Em Caracas, policiais e militares impediram que mil manifestantes chegassem à sede do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), dispararam bombas de gás lacrimogênio e detiveram pelo menos sete pessoas na estratégica avenida Libertador. Diz o ministro do Interior, Gustavo González: "Por atos violentos protagonizados em Caracas, capturamos sete sujeitos vinculados a organizações violentas com finalidades políticas". As sete pessoas foram detidas na Praça Altamira, no município Chacao (leste de Caracas), e levadas para a penitenciária 26 de Julho, em San Juan de Los Morros, capital do Estado de Guárico. O ministro mostrou imagens de manifestantes agredindo policiais e afirmou que um dos detidos "confessou que um grupo de jovens recebeu financiamento do chefe da segurança de um deputado de direita da Assembleia Nacional para participar das ações violentas". O número dois do chavismo, Diosdado Cabello, revelou que o segurança em questão é conhecido como "Coromoto", ligado ao presidente da Assembleia, Henry Ramos Allup. Cabello disse ainda que sete membros da polícia - duas mulheres e cinco homens - foram atendidos com traumatismos e cortes após agressões de manifestantes. "Um grupo agrediu nossas mulheres (policiais) e esta gente está sendo detida". No total, calcula-se pelo menos 30 detidos em todo o país. Henrique Capriles explicou que a mobilização desta quarta-feira foi em defesa da Constituição e do referendo, e destacou que cumpriu o objetivo de que o Conselho Nacional Eleitoral recebesse um documento da MUD que relata o que consideram violações de Maduro ao processo de convocação da consulta. Embora a marcha da oposição não tenha podido chegar à sede do CNE, no centro de Caracas, os dirigentes da MUD entregaram um documento a um dos cinco diretores principais da entidade, Luis Emilio Rondón, vinculado à oposição, que foi ao local e prometeu submetê-lo ao plenário do organismo. O CNE é acusado pela oposição de estar sob controle do chavismo.