Dois episódios diferentes, um na Venezuela e outro na Bolívia, provocam certo desconforto pelo nonsense típico de um realismo fantástico das melhores e mais instigantes ficções latino-americanas. Na Venezuela, o governo de Nicolás Maduro acusa seus opositores de "traição à pátria" porque foram à Organização dos Estados Americanos (OEA) reclamar da democracia precária praticada no seu país, com sua ausência de diálogo, violência, opressão e presos políticos injustificáveis. Na Bolívia, o presidente Evo Morales, o homem que vê na carne de frango uma fonte de calvície e homossexualidade, conseguiu se safar, assim como a empresa chinesa CAMC, da acusação de tráfico de influência envolvendo contratos com o governo. Detalhe: foi mantida a acusação de enriquecimento ilícito e tráfico de influência contra a ex-namorada do presidente Gabriela Zapata. Chamem o García Márquez, o Scliar e o Dias Gomes!!!
Não parece haver algumas distorções absurdas nos dois episódios? Em dois rápidos textos, saiba mais sobre eles...
Maduro e os adversários "apátridas"
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, se sentiu na obrigação de defender deputados opositores venezuelanos que foram acusados de "traição à pátria" por terem pedido ajuda ao órgão regional para superar a crise política do país. Em comunicado, Almagro mostrou sua "preocupação" pelo fato de que os legisladores venezuelanos foram acusados por visitá-lo recentemente, informá-lo "da situação do país" e lembrar "dos compromissos que regem a todos no hemisfério". Afirmou, ainda, que a promoção da democracia é um direito estabelecido na Carta Democrática Interamericana (CDI), um documento de caráter obrigatório assinado pelos 34 países da OEA para defender as instituições democráticas na região. "Ninguém que atue nessa direção pode ser um traidor da sua pátria", disse Almagro, ressaltando que os deputados venezuelanos que o visitaram foram "eleitos pelo povo desse país". Seis deputados venezuelanos se reuniram com o diplomata uruguaio há duas semanas em Washington, onde lhe pediram que facilite o diálogo institucional e observe o processo de referendo revogatório ativado pela oposição contra o presidente Nicolás Maduro. Quando voltaram para a Venezuela, os opositores foram denunciados na Procuradoria-Geral por legisladores governistas pelo crime de "traição à pátria", por supostamente atentarem "contra a independência, a soberania e a segurança do país". "Todo aquele que queira para a sua pátria mais direitos, mais liberdade, mais democracia, e que para isso recorra à ajuda das instituições americanas, (...) deveria ser considerado um patriota", respondeu Almagro. A declaração do secretário-geral chega após uma sessão extraordinária do Conselho Permanente da OEA, na semana passada, em Washington, na qual a chanceler da Venezuela, Delcy Rodríguez, o acusou de se aliar com a oposição e com o governo dos Estados Unidos para invocar a Carta Democrática Interamericana e intervir no país. Almagro, que ainda avalia a possibilidade de levantar na OEA uma discussão sobre o estado da democracia venezuelana, afirmou na nota que o objetivo da CDI não é sancionar os países. "As possíveis sanções são o último recurso", disse. "Meu dever como secretário-geral é velar pelo cumprimento das normas interamericanas que nossos países acordaram e que são obrigatórias para todos" afirmou Almagro na nota, lembrando que a OEA atendeu ao chamado do falecido presidente Hugo Chávez, padrinho político de Maduro, quando ele foi brevemente destituído em 2002.
O impermeável Evo, a namorada satanizada e o filho misterioso
O Congresso boliviano absolveu o presidente Evo Morales e a empresa chinesa CAMC da acusação de tráfico de influência envolvendo contratos com o governo, mas manteve a acusação de enriquecimento ilícito e tráfico de influência contra a ex-namorada do presidente Gabriela Zapata. Zapata, mãe de um suposto filho de Morales - foi gerente comercial da CAMC, para a qual obteve contratos milionários com o Estado boliviano. Conforme relatório aprovado pelo Congresso, "todos os processos de contratação envolvendo a empresa CAMC foram desenvolvidos dentro da legalidade". Gabriela, 28 anos e na prisão desde fevereiro, permanece como a única acusada por este caso que envolveu Evo, no poder na Bolívia há 10 anos. A decisão do Congresso, dominado pelos governistas, ocorre um dia após o presidente dar por "encerrado" o caso da paternidade do filho de Zapata. A denúncia sobre o filho de Morales surgiu pouco antes do referendo de 21 de fevereiro sobre um quarto mandato consecutivo para o presidente, que não foi aprovado. Enquanto Zapata e seus advogados insistem em que o filho de Morales existe, o governo afirma que não há provas de sua existência e que a mulher apresentou outra criança à Justiça.