O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, deve propor na próxima semana que o Conselho Permanente da entidade considere invocar a Carta Democrática Interamericana contra a Venezuela. Almagro já confirmou que vai apresentar o relatório sobre a situação venezuelana e, assim, criar a possibilidade de invocar a Carta Democrática.
- O documento será apresentado o mais tardar no início da próxima semana - afirmou Almagro a repórteres na sede da OEA, em Washington.
O secretário-geral da OEA evitou comentar sobre o conteúdo ou o tom do relatório, que fornece uma avaliação da situação econômica, social e política na Venezuela, centro de um grave conflito institucional.
Também evitou falar se invocará o artigo 20 da Carta Democrática Interamericana contra o país sul-americano como solicitado formalmente pela Assembleia Nacional da Venezuela na semana passada, acionando um mecanismo da OEA em caso de alteração democrática e constitucional em qualquer dos seus Estados membros. A tendência, porém, é essa.
- O que vamos decidir iremos dizer no relatório - disse, deixando transparecer que haverá alguma referência ao artigo 20 da Carta Democrática.
De acordo com o artigo 20 da Carta Democrática, o secretário-geral pode convocar imediatamente um Conselho Permanente para avaliar a situação de um país em caso de uma "alteração" séria da ordem constitucional e democrática em um país membro. Se a Carta for invocada, os países poderiam então decidir, com a aprovação da maioria dos 34 países-membros, esforços diplomáticos a fim de procurar soluções para a crise na Venezuela.
A suspensão desse país não é descartada.
Crítico do governo Maduro, a quem recentemente chamou de "traidor" e "ditadorzinho", o uruguaio Almagro, ex-chanceler de José Pepe Mujica, é um severo crítico, por outro lado, do processo de impeachment no Brasil.
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Leia aqui o trecho que fala sobre a Carta Democrática:
Artigo 20
Caso num Estado membro ocorra uma alteração da ordem constitucional que afete gravemente sua ordem democrática, qualquer Estado membro ou o Secretário-Geral poderá solicitar a convocação imediata do Conselho Permanente para realizar uma avaliação coletiva da situação e adotar as decisões que julgar convenientes.
O Conselho Permanente, segundo a situação, poderá determinar a realização das gestões diplomáticas necessárias, incluindo os bons ofícios, para promover a normalização da institucionalidade democrática.
Se as gestões diplomáticas se revelarem infrutíferas ou a urgência da situação aconselhar, o Conselho Permanente convocará imediatamente um período extraordinário de sessões da Assembléia Geral para que esta adote as decisões que julgar apropriadas, incluindo gestões diplomáticas, em conformidade com a Carta da Organização, o Direito Internacional e as disposições desta Carta Democrática.
No processo, serão realizadas as gestões diplomáticas necessárias, incluindo os bons ofícios, para promover a normalização da institucionalidade democrática.
Artigo 21
Quando a Assembléia Geral, convocada para um período extraordinário de sessões, constatar que ocorreu a ruptura da ordem democrática num Estado membro e que as gestões diplomáticas tenham sido infrutíferas, em conformidade com a Carta da OEA tomará a decisão de suspender o referido Estado membro do exercício de seu direito de participação na OEA mediante o voto afirmativo de dois terços dos Estados membros. A suspensão entrará em vigor imediatamente.
O Estado membro que tiver sido objeto de suspensão deverá continuar observando o cumprimento de suas obrigações como membro da Organização, em particular em matéria de direitos humanos.
Adotada a decisão de suspender um governo, a Organização manterá suas gestões diplomáticas para o restabelecimento da democracia no Estado membro afetado.
Artigo 22
Uma vez superada a decisão que motivou a suspensão, qualquer Estado membro ou o Secretário-Geral poderá propor à Assembléia Geral o levantamento da suspensão. Esta decisão será adotada pelo voto de dois terços dos Estados membros, de acordo com a Carta da OEA.
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Protestos na Venezuela
Enquanto a OEA cogita aplicar a carta democrática contra a Venezuela, centenas de simpatizantes da oposição venezuelana protestaram hoje em Caracas contra o tribunal que emitiu sentença para restringir manifestações perto das sedes do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão eleitoral do país.
Emitida na semana passada, a sentença foi vista como manobra do governo para desarticular mobilizações da oposição que vinham pressionando o CNE a permitir um referendo revogatório contra Maduro ainda neste ano.
Em discurso durante o protesto organizado na frente do tribunal, numa área nobre de Caracas, o governador do Estado de Miranda (que abrange parte de Caracas) e ex-candidato à presidência Henrique Capriles prometeu que a decisão da Justiça não impedirá novas marchas em direção ao CNE.
- Não há sentenças nem medidas que nos impeçam de ir até o CNE para exigir respeito à Constituição - disse Capriles, em tom desafiador, sem especificar quando ocorreriam novas passeatas.
Nas últimas duas semanas, a polícia impediu várias caminhadas de chegarem às sedes do órgão eleitoral em vários Estados. Houve confronto entre manifestantes e policiais, que dispararam gás lacrimogêneo e prenderam ao menos sete pessoas em todo o país.
O tumulto foi usado como justificativa pela Corte Segunda de Contencioso Administrativo, um tribunal de Caracas, para emitir sentença que, na prática, transformou arredores do CNE em zonas militarizadas.
O texto ordena que as forças de segurança do Estado tomem "medidas necessárias para resguardar as sedes do CNE em nível nacional a fim de impedir atos não autorizados [...] e manifestações violentas [...] que possam perturbar o funcionamento normal do CNE".
Juristas ligados à oposição consideram a medida inconstitucional por contrariar o artigo 68 da Constituição, que garante aos cidadãos o direito de "manifestar pacificamente e sem armas".
Após o protesto de hoje, Capriles entregou pessoalmente a um representante do tribunal o pedido de medida cautelar para que o tribunal revise a decisão de transformar arredores das sedes do CNE em zonas de segurança.
O protesto de hoje claramente menos gente que os das últimas semanas. Isso se deve, aparentemente, a duas razões. A primeira é o temor de violência policial. A segunda se deve ao fato de partidos importantes antichavistas, como Vontade Popular (VP) e Ação Democrática (AD), terem boicotado a manifestação, num aparente reflexo das divergências internas na oposição.
A busca pelo referendo é uma alternativa defendida por Capriles, um opositor moderado. Há duas outras estratégias são a de pressionar Maduro nas rua para provocar sua renúncia e modificar a Constituição para reduzir seu mandato de seis para quatro anos - o que o levaria ao afastamento em 2017.
Mal-estar social
As mobilizações ocorrem em um cenário de mal-estar social com a severa escassez de alimentos e remédios, além de uma inflação projetada de 700%, de acordo com o FMI, para 2016. Além disso, o país sofre com cortes cotidianos de energia elétrica e água, além dos altos índices de criminalidade.
Há convergência progressiva entre o protesto político e as demandas sociais.
O governo descarta a possibilidade de um referendo revogatório em 2016, alegando que os prazos legais não permitem o que a oposição deseja.
- Este ano é impossível - advertiu o número dois do chavismo, Diosdado Cabello, que ressalta que a MUD sabe disso, mas insiste para justificar uma escalada violenta quando o CNE fechar as portas à ideia.
Se a consulta acontecer depois de 10 de janeiro de 2017, quando o mandato presidencial completa quatro anos, e Maduro for derrotado, os dois anos restantes serão completados pelo vice-presidente, designado pelo chefe de Estado a qualquer momento. Cogita-se que Maduro escolheria sua própria mulher, a procuradora-geral da República Cilia Flores.
Se o referendo ocorrer ainda neste ano e o chavismo for derrotado, novas eleições terão de ser convocadas. Maduro, que critica a ofensiva da oposição para interromper seu mandato e alega ainda uma "ameaça" de intervenção estrangeira, decretou estado de exceção em 13 de maio e adotou a prática de criar feriados com o suposto propósito de economizar energia. O detalhe é que, com os dias parados, mais lenta é a tramitação para o referendo.