Este colunista tem conversado com argentinos e percebido uma preocupação: o processo de impeachment no Brasil e a desconfiança generalizada em relação aos próprios políticos poderiam abrir as portas para um quadro de incertezas. O raciocínio é básico: o Brasil é o grande líder regional, e os políticos, em geral, estão em total descrédito, com acusações em seus calcanhares. A institucionalidade brasileira parecia intocável, mas isso parece ter ido por água abaixo. A Argentina é o país que gritava "que se vayan todos" 15 anos atrás. Houve protestos, houve mortes, mas os políticos de então não se foram. Hoje, todas as principais facções políticas vivem um momento tenso. Logo, o futuro é incerto. Sempre é bom lembrar que os sindicatos argentinos provocaram encurtamentos dos mandatos de presidentes como Raúl Alfonsín e Fernando de la Rúa - e não é mera coincidência eles, como Macri, não serem peronistas.
Sobre Macri, ele admitiu na segunda-feira que as mudanças econômicas implementadas por seu governo dificultaram a vida de parte da população. Claro, ele faz aquilo que a grande maioria dos governantes latino-americanos costuma fazer: responsabiliza a antecessora, Cristina Kirchner, pela necessidade de fazer os ajustes e pela situação econômica do país, que inclui uma inflação de 12% no primeiro trimestre do ano e uma projeção de queda de 1% no PIB em 2016. "Com uma uma inflação acumulado de 700%, que é a que herdamos, com um país que não gerava emprego de qualidade havia cinco anos, com uma economia à beira do colapso, tinha muita gente que vinha passando por dificuldades. A organização de muitas coisas fez com que esses problemas complicassem ainda mais a vida das pessoas", disse o presidente. Macri costuma citar a "herança" kirchnerista para justificar as dificuldades do governo. A população, porém, dá sinais de cansaço. Na sexta-feira, dezenas de milhares de trabalhadores foram às ruas contra a inflação e a onda de demissões, que, segundo as centrais sindicais, atingiu cerca de 100 mil pessoas em pouco mais que quatro meses. O ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay, porém, argumenta que houve uma alta na taxa de emprego e nos salários nos últimos 12 meses. Seriam 60 mil novos postos de trabalho entre abril de 2015 e abril deste ano.
Sobre Cristina, ela foi denunciada à Justiça pela segunda vez desde que deixou o poder, em 9 de dezembro. O Ministério Público Federal pediu que a ex-presidente e o filho, Máximo, sejam investigados por supostos enriquecimento ilícito e falsificação de documentos públicos. Há indícios de que imóveis da família Kirchner foram alugados por empresas de Lázaro Báez e Cristóbal López. Báez e López são indicados como os empresários que mais enriqueceram nos governos de Néstor e Cristina Kirchner (2003-2015), vencendo dezenas de licitações. Preso desde 5 de abril sob suspeita de lavagem de dinheiro, Báez era um dos amigos mais próximos de Néstor Kirchner (1950-2010). Foi responsável pelas obras do mausoléu onde o corpo de Néstor foi enterrado - a Justiça analisa se a construção foi feita com recursos públicos. Já López vem sendo investigado por supostamente não ter repassado ao governo R$ 2 bilhões em impostos. Esse valor foi pago por consumidores que compravam combustível das empresas de López, mas nunca chegou aos cofres públicos. Há indícios de que o governo Kirchner facilitou para que o empresário não entregasse o dinheiro. O novo caso contra Cristina foi colocado em segredo de Justiça pelo juiz Claudio Bonadio, inimigo do kirchnerismo. Ele também lidera a ação sobre a venda de dólares no mercado futuro a preços inferiores ao de mercado. O juiz já investigou também a suposta lavagem de dinheiro nos hotéis de Cristina. Há suspeitas de que Báez tenha pagado centenas de diárias para a empresa hoteleira da ex-presidente sem que ninguém ocupasse os quartos. Para o Ministério Público, o esquema de aluguéis dos imóveis de Cristina seria semelhante ao do hotel.