Uma paciente me contou um pensamento que lhe ocupou o cérebro por segundos. Começou com um leve sobressalto: o Dia das Mães chegando e ainda não tenho presente. Esse pensamento misturou-se com a preocupação de que tampouco teria um plano. Na minha casa ou na da minha irmã? Almoço ou jantar? Quem sabe um chá? Qual o cardápio? Com os netos ou só os adultos?
Antes que pudesse escolher o melhor cenário, um gosto amargo a lembrou de que sua mãe não está mais. Era seu primeiro Dia das Mães órfã. Chorou como não tinha feito no enterro. Não era tanto tristeza, era saudade de dias melhores, do colo que eram os encontros com a mãe. Tinham seus dias ásperos, mas a presença materna costurava algo em si que ela não saberia dizer como.
Deu-se conta de que sonhara acordada. Durante um fiapo de tempo, ela teve sua mãe de volta, teve um Dia das Mães pleno e ainda não começara a briga mesquinha com sua irmã por detalhes da herança. Sua pergunta para mim era se isso era normal e quanto tempo ainda iria sentir-se tão só.
Dizer o que nessas ocasiões? Poderia ter-lhe dito que, especialmente aos domingos na tardinha – não por acaso na hora mais melancólica da semana –, após o futebol, tenho um impulso de ligar para meu pai e comentar o resultado. Faz mais de 10 anos que, volta e meia, isso me acomete. Dura quase nada, mas tenho que me recordar, a cada vez, que onde meu pai está não existe telefone, que não vou comentar mais nenhum jogo. Tampouco tenho como alegrá-lo com novidades das netas.
Disse-lhe outra coisa. Aprendemos a conviver com as lembranças, as saudades, até com essas peças que pregamos em nós mesmos, quando, por momentos, negamos a morte. Tudo isso vai ficando mais leve, menos frequente, mas nunca nos recuperamos de todo. Um luto completamente bem resolvido não existe. Existe aprender a lidar com a falta. Até porque nossos seres queridos que se foram seguem nos fazendo alteridade. De outra forma, mas ainda pertencem a uma constelação afetiva onde as ausências não alteram a rota dos astros. Talvez por isso creiamos em fantasmas, em mortos-vivos, eles se vão, mas não o que sentimos por eles, e nem a função que exercem em nós.
Somos o que somos porque tivemos quem nos criou. Fomos formatados em seus ensinamentos, exemplos e carinhos. Quando os perdemos, cai junto um olhar que nos constituiu. O individualismo dominante gosta de negar a óbvia presença das raízes. Cada um quer pensar-se como engendrado por si mesmo, esquecer o fio de continuidade com os antepassados.
Como lembra a música de Atahualpa Yupanqui: ... seguimos andando, curtidos de solidão e em nós nossos mortos... Acostumados à sua falta, íntimos da saudade, eles nos assombram menos e nos ajudam mais.