A Venezuela parece estar mesmo se afundando em uma crise institucional sem perspectiva de solução. Claro, algo deverá ocorrer. Mas é difícil saber... De um lado, agora, Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) anulou parcialmente as faculdades de controle do Parlamento sobre outros Poderes públicos, entre eles o Judiciário e o Eleitoral, reduzindo, assim, a margem da oposição para encurtar o mandato do presidente Nicolás Maduro. De outro, a maioria opositora do parlamentop aprovoup em primeira leitura uma lei de produção nacional que prevê restituir ou entregar terras e empresas expropriadas, o que foi rejeitado pelo chavismo, que vê no texto uma tentativa de privatizá-las.
Enfim...
Acusada pela oposição de cumprir ordens de Maduro, a alta corte venezuelana decidiu que o controle da Assembleia Nacional Legislativa se limita ao Executivo, eliminando a possibilidade de supervisionar os atos dos Poderes Judiciário, Eleitoral e Cidadão.
O controle político "se estende fundamentalmente ao Poder Executivo Nacional, e não sobre o resto dos Poderes Públicos (...) tampouco sobre o poder público estatal, nem sobre o poder público municipal", diz a decisão.
Com isso, deteve-se a planejada remoção de 34 magistrados do TSJ por parte da oposição legislativa, que alega irregularidades em sua nomeação por parte da legislatura anterior, de maioria chavista, pouco antes de finalizar seu mandato, em dezembro passado.
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A corte declarou inconstitucional a revisão efetuada por uma comissão parlamentar sobre a designação destes juízes, a quem sugeriu revogar. O mesmo comitê planejava reformar a lei que rege o tribunal.
A blindagem do TSJ é crucial, pois seus juízes deveriam decidir sobre a legalidade de uma eventual emenda constitucional para reduzir o mandato de Maduro (eleito até 2019), uma das opções avaliadas pela oposição para antecipar a saída do chefe de Estado socialista. O país enfrenta uma grave crise econômica pela queda dos preços do petróleo.
Emenda ou revogação
A coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) - que controla a Assembleia com uma maioria ampla qualificada há quase dois meses - anunciará na quinta-feira o caminho legal que seguirá para substituir o presidente.
Entre outras opções, propôs-se convocar um referendo revogatório, ou uma Assembleia Constituinte.
Na sessão desta terça-feira, o presidente do Parlamento, Henry Ramos Allup, acusou o chavismo de "utilizar o Judiciário para amputar as faculdades de controle do Poder Legislativo".
"Esse controle não pode se tornar inexistente por disposições reiteradas do Tribunal Supremo de Justiça que violam expressamente a Constituição", completou.
Essa decisão se soma a outra que manteve emergência econômica decretada por Maduro, desconsiderando a decisão da maioria parlamentar que a repudiou.
- Isso ratifica a intenção da Sala Constitucional de tirar o valor da Assembleia. Tira dela a possibilidade de que muitos funcionários-chave do Poder Eleitoral, ou Judiciário, ou das Forças Armadas, possam ser levados à interpelação - analisa o constitucionalista Juan Manuel Rafalli, em entrevista à agência de notícias France Presse.
Mudança até na exigência de quórum
A decisão judicial determina, ainda, que a oposição tem uma maioria qualificada de três quintos, e não de dois terços, depois que o Tribunal Supremo suspendeu provisoriamente a eleição de três deputados opositores. Esses três haviam sido impugnados pelo chavismo.
"Estamos diante de um golpe de Estado. Estão tirando um poder público do caminho", disse à AFP Benigno Alarcón, diretor do Centro de Estudos Políticos da Universidade Católica Andrés Bello.
Alarcón considerou que "o isolamento institucional da Assembleia é para que a oposição não possa impulsionar uma mudança de governo".
Para ele, a oposição "tem de centrar sua batalha no campo político, porque está perdida no institucional". Rafalli coincidiu em que a oposição deve lutar na arena política.
O parlamentar e número dois do chavismo, Diosdado Cabello, previu na segunda-feira que as tentativas da oposição de encurtar o mandato de Maduro estão condenadas ao fracasso.
"Não temos nenhuma dúvida de que, diante do que temos pela frente, nenhuma destas iniciativas terá sucesso", assegurou.
Em seu programa semanal, nesta terça, o ex-candidato da oposição à presidência da Venezuela, o governador do estado de Miranda, Henrique Capriles, criticou a MUD por dar sinais "equivocados" neste debate político.
- Acho que a Unidade, honestamente, neste momento... Alguns sinais que deram me parecem que são equivocados - opinou ele no programa transmitido por rádio e pelas redes sociais.
Capriles pediu à MUD que "dê uma demonstração de grandeza" e convoque "todos os mecanismos que a Constituição nos permite para conseguir a mudança política na Venezuela".
Lei de produção nacional tenta reverter medidas do chavismo
A lei de produção nacional aprovada pelo parlamento de maioria opositora prevê restituir ou entregar terras e empresas expropriadas.
- A lei é muito clara. Não fala em privatizar. Fala de empresas que não estão produzindo, que estamos colocando para produzir - afirmou o líder da bancada opositora, o deputado Julio Borges, autor do texto.
A lei prevê que cerca de 6.000 empresas nacionalizadas pelo governo chavista sejam devolvidas aos antigos proprietários, sendo que 300 delas são produtoras de alimentos, em meio à escassez que abala o país.
O presidente Nicolás Maduro deixou recentemente a produção de alimentos nas mãos dos militares, e estabeleceu um plano de agricultura para lutar contra a escassez.
Borges criticou essas medidas, ao alegar que o governo "tem 500 empresas de alimentos e 4 milhões de hectares que não estão produzindo neste momento".
Já os produtores venezuelanos se queixam de não receberem divisas do governo para adquirir matérias-primas, situação que os levou a contrair uma dívida de 12 bilhões de dólares com fornecedores internacionais.
Por outro lado, o deputado governista Francisco Torrealba argumentou que a oposição busca entregar essas empresas a "poderes multinacionais" porque "estão vendidas ao Fundo Monetário Internacional".
A Venezuela atravessa uma crise agravada pela queda do preço do petróleo - responsável por 96% da entrada de divisas do país - e tem como consequência uma escassez que envolve mais de dois terços dos produtos básicos, com inflação de 180,9% em 2015.