O ex-presidente americano Jimmy Carter, 91 anos, anunciou que seu tratamento contra o câncer terminou e que não precisará continuar.
O 39° presidente dos Estados Unidos revelou em agosto passado que os médicos haviam identificado quatro pequenos melanomas em seu cérebro e que iria começar com a radioterapia.
O tratamento funcionou muito bem, segundo o ex-presidente democrata.
– Ao observar minha última ressonância magnética, os médicos determinaram que não tenho mais necessidade de tratamento – anunciou Carter.
Leia algo sobre quem é Carter, a partir de apuração feita tempos atrás pelo jornal O Globo. Trata do simbolismo que teve a eleição do americano em 1976, em meio a um dos períodos mais obscuros da América Latina...
A promoção dos direitos humanos foi uma das peças-chave do projeto de política externa do democrata Jimmy Carter nas eleições presidenciais americanas de 1976. O discurso duro implicava numa alteração das relações com as ditaduras na América do Sul, especialmente com o Brasil. Porém, logo depois de assumir a Casa Branca, Carter foi obrigado a ser extremamente cauteloso na pressão sobre o general Ernesto Geisel. É o que mostram memorandos da equipe do americano, que reconhecem a "hipersensibilidade" brasileira à intromissão dos EUA. O termo foi usado com frequência tanto pelo chefe do Conselho de Segurança Nacional, Zbigniew Brzezinski, quanto pelo secretário de Estado, Cyrus Vance, em recomendações a Carter. A "hipersensibilidade" também era observada pelos americanos na questão nuclear – principal ponto de atrito das relações bilaterais. A reação do Brasil foi considerada muito forte aos discursos do primeiro trimestre de governo Carter e à decisão do Congresso dos EUA de obrigar o Departamento de Estado a divulgar um relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, em março de 1977. O Brasil cancelou imediatamente a cooperação militar com os EUA, assinada em 1952, e adotou forte postura antiamericana, acusando a Casa Branca de intervencionismo. Na preparação da visita de Estado ao Rio e a Brasília em março de 1978, Cyrus Vance diz a Carter um mês antes: "(O cenário) pede que a abordagem com o Brasil seja feita com sutileza e de forma indireta, reconhecendo sua hipersensibilidade". A personalidade do general brasileiro era outro fator levado em consideração na montagem da estratégia americana. Em relatório secreto ao presidente, Zbigniew Brzezinski assinala que "Geisel não é uma pessoa que sucumba a pressões". O temor do governo Carter era que ocorressem três desdobramentos a partir de gestões insistentes dos EUA por mudanças. O que causava maior apreensão era que o Brasil aprofundasse a cooperação com a Alemanha e ampliasse seu programa nuclear, ignorasse rígidas salvaguardas internacionais, e incentivasse uma corrida nuclear regional. Os americanos queriam a revisão do contrato brasileiro, com adiamento da transferência da tecnologia alemã para enriquecimento de urânio e reprocessamento de material, etapas que davam condições de construção de armas nucleares. Uma recusa brasileira afetaria a posição global dos EUA de não proliferação. Havia preocupação com a possibilidade de o Brasil, irritado, capitanear um movimento antiamericano no Cone Sul. Telegrama da embaixada americana em Lima de maio de 1977 relata ao Departamento de Estado – com cópias para as embaixadas de Brasil, Argentina, Paraguai, Equador, Colômbia, Bolívia e Venezuela – a realização de um encontro secreto de generais em Assunção, dias antes, para discutir uma reação comum da América do Sul à política americana de direitos humanos. Teria se discutido um encontro de chefes de Estado ou dos chanceleres, e também a possibilidade de a reunião ocorrer nos bastidores da cúpula da Organização dos Estados Americanos (OEA), que aconteceria no mês seguinte em Granada. No telegrama, a embaixada em Lima afirma que Brasil e Uruguai estavam pressionado por forte linguagem antiamericana em documento do eventual encontro. Por último, o primeiro escalão americano temia que o Brasil, sob Geisel, utilizasse a pressão dos Estados Unidos para recrudescer o regime militar, em vez de flexibilizá-lo. Isso porque a avaliação dos americanos era que a eleição de Carter mudara a equação política no Brasil, com as críticas dos EUA, até então alinhados à ditadura, servindo de combustível às demandas da oposição. "O Brasil está caminhando lentamente em direção a maior respeito por direitos humanos e maior liberalização política", reconhecia Brzezinski ao presidente em fevereiro de 1978. Mas, para não "provocar um passo atrás", "a fórmula (para a visita) é dar apenas declarações gerais sobre direitos humanos e democratização e evitar especificamente comentários sobre desdobramentos políticos no Brasil". O abandono da agressividade nas cobranças ocorreria, porém, já no segundo trimestre de 1977, quando Carter encaminhou carta a Geisel reafirmando os laços entre os EUA e o Brasil. Prosseguiu com a visita da primeira-dama Rosalynn Carter em junho de 1977, quando mesmo a prisão e tortura de dois missionários americanos pelas forças repressoras no Recife foram tratadas sem grande alarde pela enviada da Casa Branca. A revisão da estratégia diplomática previa comentários genéricos dos EUA sobre direitos humanos, "num arcabouço global geral", escreveu Zbigniew Brzezinski ao presidente na preparação da visita de Estado, "em vez de isolar esses assuntos e lidar com eles no contexto Brasil-EUA". A decisão da Casa Branca foi pela pressão indireta, resumida ao encontro de Carter com Dom Paulo Evaristo Arns e outros poucos representantes da sociedade civil no Rio, ou seja, longe do Palácio do Planalto, e ao discurso ao Congresso, onde o tema foi tratado sem acusações ou sermões. Carter também fez gestões nos EUA para evitar enfurecer o Brasil novamente, após a sua visita, e um ano de esforços diplomáticos. Ele foi informado por Brzezinski em maio de 1978 que o Congresso estava pressionando por medidas que afetariam o Brasil – entre elas a confecção de novo relatório de direitos humanos. Avisado por seu assessor direto que tais iniciativas deixariam as relações bilaterais "em potencial campo minado", Carter instruiu à mão no relatório que a Casa Branca mantivesse posição firme na negociação com os parlamentares e ameaçasse, inclusive, vetar as legislações. O fim da era mais difícil da ditadura brasileira, patrocinada por Geisel, também ajudou os EUA a relaxarem as cobranças. Apesar da insatisfação americana e de decisões controversas do general, como a suspensão do Congresso em 1977 e mudanças da legislação eleitoral em 1978 – para garantir a maioria da Arena, em meio ao sucesso eleitoral do MDB nas eleições locais –, o governo Carter avaliava positivamente o desempenho do presidente brasileiro, reconhecendo que ele se empenhou em manter a promessa de distensão política e que "houve uma tentativa sincera de sua parte em eliminar a tortura".