A reunião do Mercosul expôs o que já ocorre pelos bastidores da política regional. Representantes de Argentina e Venezuela bateram boca na cúpula do Mercosul, em Assunção. Tudo porque, claro, o presidente argentino, Mauricio Macri, pediu a libertação imediata dos presos políticos trancafiados pelo governo de Nicolás Maduro. O presidente venezuelano, em meio à crise socioeconômica e institucional, não foi a Assunção. Mas lá estava a chanceler venezuelana, Delcy Rodríguez, que reagiu de forma contundente, dizendo estar ali como "representante do povo venezuelano".
Desde a campanha eleitoral, Macri defende posição crítica com a Venezuela. Chegou a sugerir a suspensão do país do bloco, mas recuou posteriormente. A declaração do argentino, que levou à reação da chanceler venezuelana, foi dura para os padrões do linguajar diplomático em reuniões presidenciais.
- Nos Estados que integram o Mercosul, não pode haver lugar para a perseguição política por razões ideológicas nem a privação ilegítima da liberdade por pensar diferente - disse o argentino.
E acrescentou:
- Peço expressamente, diante de todos os queridos presidentes do Mercosul, a pronta liberação dos presos políticos na Venezuela.
A chanceler, então, reagiu.
- O senhor está fazendo ingerência sobre um assunto da Venezuela. O senhor está defendendo esta pessoa - disse, mostrando foto de Leopoldo López, político da oposição que foi preso e que é acusado de promover a violência em manifestações no início do ano passado, que teve 43 mortes.
Detalhe: a grande maioria dos 43 mortos é de oposicionistas que foram reprimidos pela polícia chavista - e López é acusado de incitar a violência.
Macri sugeriu que a Venezuela, apesar das eleições, não é uma democracia plena. E, claro, isso enfureceu ainda mais a chanceler.
- Minha visão sobre a democracia vai muito além que ir às urnas a cada certa quantidade de tempo, a democracia é uma forma de vida e um pacto de convivência entre pessoas que pensam diferente - disse ele.
Setenta e cinco líderes e estudantes venezuelanos estão presos. O mais notório é Leopoldo López, condenado em setembro a quase 14 anos de prisão após julgamento questionado por organizações de direitos humanos, enquanto o opositor prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, permanece sob prisão domiciliar. Nas recentes eleições da Venezuela o parlamento, unicameral, ficou amplamente dominado pela oposição, que conseguiu 112 dos 167 assentos e prometeu aprovar entre suas primeiras leis uma anistia para esses presos.
Além de Macri, participam da reunião os presidentes dos demais países do Mercosul: a presidente Dilma Rousseff, o uruguaio Tabaré Vázquez e o anfitrião Horacio Cartes. Também assistem, como membros associados, Michelle Bachelet, do Chile, e Evo Morales, da Bolívia.
Em sua reunião no domingo para preparar a declaração final, os ministros das Relações Exteriores debateram os direitos humanos no bloco, mas evitaram a qualquer custo abordar o tema da Venezuela com a imprensa.
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Na sessão de abertura da cúpula - a 49ª do bloco -, o anfitrião Horacio Cartes, presidente do Paraguai, deu as boas-vindas ao novato colega argentino e pôs mais lenha na fogueira ao pedir "respeito aos direitos humanos".
O chanceler paraguaio, Eladio Loizaga, afirmara aos jornalistas, no domingo, que foi discutido o estabelecimento de uma comissão para vigiar os direitos humanos, como as que existem na ONU e na OEA.
No final da cúpula, o Paraguai entregará a presidência pro-tempore do bloco ao Uruguai para os próximos seis meses. A expectativa é de que, nesse período, seja concretizado o tratado de livre comércio com a União Europeia. O principal entrave para esse acerto vinha da Argentina governada por Cristina Kirchner.