Eu não sei bem por que motivo resolvi correr a primeira maratona, em 2012. A memória falha porque talvez não seja apenas um, mas vários. A maioria extravasa a capacidade física. O teste dos limites do corpo é como um atestado de competência que nem sempre a gente pode ter no dia a dia. É uma satisfação bastante pessoal, quase egoísta, essa de cruzar uma linha de chegada depois de 42,195 quilômetros.
O motivo de Zainab é de amor pelo esporte. Porque ela queria ter o direito de praticá-lo. Queria que outras meninas também o tivessem. A jovem de 25 anos foi a única mulher a correr a primeira maratona do Afeganistão, no fim de outubro. A história, contada pelo jornal inglês The Guardian, é inspiradora.
Imagine correr uma maratona. Parece desgastante? Imagine corrê-la no Afeganistão. Parece necessário muita coragem? Pense agora ser afegã e "ousar" sair de casa para treinar. A jovem Zainab queria mudar isso. Em agosto, fez uma maratona não oficial ao lado de outras três mulheres, do Vale do Paghman a Cabul. Ao chegarem à capital, foram insultadas por "ousarem" fazer atividades incomuns em público. Crianças jogaram pedras e pessoas as chamaram de prostitutas e disseram que Zainab estava destruindo o Islã.
A jovem nasceu como refugiada no Irã. A família se mudou para lá quando o Afeganistão foi invadido pela antiga União Soviética. Cresceu praticando esportes. Quando voltou para o local de origem da família, em 2004, descobriu um país no qual fazer atividades físicas seria uma luta. Tentou participar de um clube de taekwondo para meninas, que foi fechado pelas autoridades. Depois, descobriu a Skateistan, organização não governamental que, por meio do skateboarding, engaja jovens no Afeganistão, no Camboja e na África do Sul.
Foi então que ela começou a correr, quando a ONG a aconselhou a procurar a Free to Run - organização que usa a corrida e outras atividades de aventura para assegurar a liberdade de mulheres em vulnerabilidade social. Zainab foi selecionada para correr a famosa ultramaratona do deserto de Gobi, na China. Ao The Guardian, ela declarou:
- Foi por causa de minhas ideias, e não de minha capacidade física.
Foram cinco meses correndo no próprio quintal de casa para treinar rumo a tamanho desafio físico. Mas foi a primeira maratona do Afeganistão sua maior conquista. A prova foi realizada em Bamiyan, um dos lugares mais seguros do país. Em qualquer outro, os atletas poderiam ter sido mortos. A corajosa Zainab correu pela sua liberdade, mas também pela de outras meninas.
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