Dia desses, uma colega de trabalho me contou que estava se incomodando com uma obra no apartamento vizinho, pois os operários ligavam suas máquinas de lixar e fazer barulho exatamente no período em que ela precisava se concentrar para escrever. Brinquei, lembrando uma antiga citação:
– É mesmo mais fácil amar a humanidade...
Foi o norte-americano Eric Hoffer que nos legou esta: “É mais fácil amar a humanidade inteira do que amar o seu vizinho”. Sartre disse quase o mesmo, só que de forma mais poética: “O inferno são os outros”. Esse antagonismo entre os seres humanos, pelo jeito, vem dos primórdios da humanidade. O primeiro casal do Paraíso, relata a Bíblia, teve apenas dois filhos e um matou o outro.
Anos depois, surgiu um tal de Maniqueu e criou uma religião que dividia os seres humanos entre maus e bons.
Os bons, evidentemente, somos nós. Os maus são os outros. Nós e eles, parece que isso persiste até hoje. O maniqueísmo divide o mundo entre amarelos e vermelhos, gremistas e colorados, maragatos e chimangos. E ai de quem ouse se colocar no meio desses embates, sem tomar posição. Apanha dos dois.
Somos mesmo criaturas desconcertantes. Dividimos o nosso chimarrão com estranhos, puxamos conversa na fila do banco com gente que nunca vimos, cumprimentamos desconhecidos nas caminhadas matinais. Tem um sujeito que passa por mim todas as manhãs no Ipanema e me diz:
– Paz e bem!
Gosto de ouvir sua saudação. Fico imaginando que talvez seja um religioso, talvez seja um filósofo solitário, talvez seja um pai de família feliz. Mas não quero conhecê-lo melhor. Sabe-se lá o que pensa de política, de futebol, da cidade que compartilhamos. E se tiver ideias diferentes das minhas? Talvez passe a me odiar e aí vou perder aquela saudação matinal que me estimula para o resto do dia.
“O homem ama e respeita o homem enquanto não consegue julgá-lo”, escreveu um escritor alemão que li na juventude, talvez Hermann Hesse, talvez Thomas Mann – me perdoem a imprecisão e o excesso de citações.
Então, antes que me julguem, paz e bem para todos.