Uma nota emitida pelo Banco Central (BC) expôs uma rara treta pública em torno da instituição. Conforme o texto, "não existe e jamais existirá censura ou cerceamento de qualquer espécie à livre manifestação dos dirigentes do BC".
Mas por que, mesmo, o BC publicou essa declaração? Uma nota da colunista da Folha de S.Paulo Monica Bergamo relatou que o mais novo diretor do BC, Gabriel Galípolo, indicado pelo governo Lula, teria sido orientado a seguir diretriz segundo a qual "assuntos afetos à comunicação com os órgãos de imprensa fiquem subordinados diretamente ao presidente do BC".
Ou seja, para dar entrevistas, Galípolo teria de pedir bênção a Roberto Campos Neto, cujo mandato na presidência está garantido até dezembro de 2024. Na nota, publicada no final da tarde de quarta-feira (19), o BC afirma que "vem estudando como aprimorar sua comunicação e qualquer mudança virá no sentido de estimular maior abertura e exposição do pensamento de seus dirigentes (...), em linha com a autonomia recentemente aprovada na Lei Complementar 179, de 2021".
Antes dessa publicação, interlocutores de Galípolo fizeram jornalistas saberem que o novo diretor de Política Monetária pretende se comportar com a imprensa como os colegas do Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos). O Fed é referência global para atuação de BCs. Seu presidente é bastante cauteloso, mas não é incomum que o representante do Fed de Chicago, ou o de Nova York, causem turbulência no mercado financeiro com declarações sobre o futuro da taxa de juro – ou da inflação, nestes tempos. Lá, são 12 diretores,- um para cada uma das 12 cidades onde a instituição tem escritório.
A intenção de Galípolo certamente não é provocar agitação desnecessária em dólar ou bolsa, uma vez que ele foi um executivo desse universo, como presidente do Banco Fator, e conhece bem os fios que puxam e esticam cotações. Mas o balanço do episódio mostra que, sim, o esperado início do ciclo de baixa no juro básico - que a essa altura não há brasileiro que não conte com o primeiro corte no dia 2 de agosto - será marcado por um debate público mais aceso, com participação dos diretores do BC.
Ainda conforme a nota publicada depois do episódio, "especialmente após a aprovação da autonomia, o BC vem ampliando a frequência e os canais de comunicação com a sociedade e com a imprensa". Sigilo bancário e no sistema financeiro são necessários, mas devem se restringir ao estritamente necessário. Um dos temas que deve marcar o ciclo de baixa é o seu ritmo: embora o Comitê de Política Monetária (Copom) tenha usado a palavra parcimônia, que segundo o complexo léxico do banco-centralês significa poda de 0,25 ponto percentual, não poucos economistas avaliam que a inflação permite corte de 0,5 ponto.
E essa será outra das preocupações de Galípolo: estreitar o espaço do que chamou de "campeonato mundial de interpretação de texto, sobre o que cada vírgula quer dizer". De fato, embora a coluna deva admitir que disputa essa modalidade, também precisa reconhecer que é um competição um tanto patética de decifrar charadas. Passou da hora de ampliar e democratizar o debate sobre decisões que definem vida e morte de empresas - e, portanto, de empregos.