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O economista brasileiro Paulo Picchetti é um dos poucos economistas que mantêm previsão de alta do PIB para este primeiro trimestre depois dos sinais negativos do resultado de 2016. Quase homônimo do francês Thomas Piketty, responde com bom humor típico dos otimistas sobre a coincidência:
– Somos aparentados.
Mas sua visão é muito técnica para sucumbir ao excesso de entusiasmo: adverte que mesmo um eventual resultado positivo não significa necessariamente fim da recessão e que nenhuma recuperação está assegurada frente às incertezas internas e externas.
O senhor é um dos poucos economistas que vê possibilidade de PIB positivo ainda neste primeiro trimestre. Em que baseia sua expectativa?
É um positivo que tem duas qualificações importantes. A primeira é em ordem de grandeza: trabalho com a projeção do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), de 0,1% de avanço (de janeiro a março), e a segunda, mais relevante, é o que isso significa em termos de fim de ciclo.
Seria o fim da crise?
Essas regras de bolso para definir quando os países entram e saem de recessão muitas vezes funcionam e muitas vezes, não. Quando não funcionam, o PIB não traduz, para um lado ou para outro, um movimento generalizado de atividade econômica. Mesmo que a gente tenha algum crescimento, provavelmente muito pequeno se for o caso no primeiro trimestre, ainda assim é muito pouco para caracterizar a saída de recessão, porque está muito centrado em dois componentes do PIB.
Há expectativa sobre agropecuária e indústria, que consolidou o bom resultado na produção do IBGE de janeiro...
Consolida, e muito. Esperava-se uma queda na variação mensal e veio em queda, mas tão pequena (0,1%) que tem cara de estabilidade. É de, certa forma, uma boa notícia, porque em dezembro havia ocorrido um aumento forte em relação ao mês anterior (2,4%). Ao contrário do que ocorreu em vários meses no ano passado, havia altas que era devolvidas no período seguinte. Dessa vez, o resultado tirou pouco dos 2,4% e, quando se traça uma tendência para a indústria, é de recuperação. Lenta, mas ao menos muda a trajetória, especialmente para a indústria que, desde 2013, só fazia cair, tirando a variação de curto prazo.
Esse aumento ainda é muito dependente de exportação, portanto câmbio?
Não necessariamente. Na verdade, os manufaturados têm uma participação pequena na balança comercial do Brasil. Até os ganhos que estamos tendo agora têm um componente de manufaturados, mas a maior parte é commodity, envolvendo tanto quantidade quanto preço, que voltou a subir. Não dá para dizer que o que está acontecendo com a indústria tem um componente importante de demanda externa como o que ocorreu em 2005, por exemplo.
Do que depende, ainda, a retomada do crescimento sustentável?
Do restabelecimento de um ambiente de negócios estável e confiável. Isso passa por várias questões, no plano macroeconômico o ajuste fiscal e, portanto, a reforma da Previdência e, no microeconômico, o restabelecimento da confiança, principalmente que agora que se aponta que se aponta como uma das possíveis saídas da recessão esse novo pacote de concessões que foi anunciado ontem (terça-feira). Como o país está vindo de uma história com o caso do setor elétrico, em que houve quebra de contrato significativa, precisa tempo e convencimento para que o investidor aceite que há oportunidade com risco aceitável. Está dependendo disso, porque agora temos capacidade ociosa para crescer, tanto em capacidade instalada de infraestrutura quanto no mercado de trabalho. É preciso criar bases para que a retomada seja sustentável, não seja baseada em estímulos pontuais como em 2011, que na verdade acabam criando uma conta ainda maior para ser paga ali na frente.
Diagnosticar as causas da recessão que o Brasil enfrenta é importante para evitar futuras crises?
Acho fundamental. É um aprendizado enorme que a gente teve. Traduzo na ideia que a gente esgotou os graus de liberdade de política econômica. O governo anterior, quando viu uma desaceleração em curso, a princípio causada pela situação externa, em vez de fazer ajustes que fariam sentido na época, tentou uma série de medidas que envolveu distorções que se acumularam na economia, como a redução na taxa de juro, que levou ao descontrole de preços. aumento de gastos que gerou desequilíbrio fiscal, o BC segurando o câmbio artificialmente baixo, que comprometeu o balanço de pagamentos, e a a quebra contratual, com fixação de preços de energia elétrica, política de conteúdo nacional. Isso foi criando uma série de distorções que, em 2014, mostrou que não havia mais grau de liberdade. Havia contas para pagar e não tinha mais cheque especial ou cartão de crédito, em termos e política econômica, para cobrir aquilo enquanto tentava, de alguma outra forma, reanimar a economia. Entender a natureza da crise, sua gravidade e profundidade, é fundamental para não cair na tentação de voltar a fazer estímulos pontuais com efeito só de curto prazo e, no longo, deixam uma situação muito pior.
O governo só tem instrumentos de médio e longo prazo – redução de juro, concessões – para acentuar a reação?
Por isso mesmo, a própria projeção do Ibre, que acho correta, fala em recuperação, mas depois de cair mais de 7% em dois anos, não dá nem 1% em 2017. É um caminho que tem de ser percorrido. Essa é a lição que a gente está vendo. Desequilíbrios múltiplos e graves têm um tempo para serem corrigidos. A gente já está passando por esse processo, ainda tem de percorrer uma fase do ciclo, de ajuste de mercado de trabalho, de crédito, para finalmente voltar a crescer, mas de forma sustentável.
É possível projetar um horizonte em que isso vai acontecer?
Acho difícil, de forma realista. Mesmo essa recuperação tímida desse ano não está nem de perto assegurada. É tudo condicional, a reforma da Previdência, a renegociação com os Estados, vocês em particular, então primeiro tem de colocar a cabeça para fora d'água para poder imaginar algum horizonte para que se possa atribuir maior grau de certeza. Vivemos uma recessão sem parâmetros, e o que os modelos estatísticos e econômicos conseguem é extrapolar para o futuro alguma tendência em função do que já aconteceu no passado. Estamos restabelecendo esses padrões. Então fazer projeção de longo prazo com muita convicção agora é complicado. O consolo é de que, do ponto de vista qualitativo, estamos caminhando na direção correta. Seja lá qual for o crescimento a partir de 2018, as bases estão sendo potencialmente estabelecidas agora.
Quanto a incerteza política pode minar essas expectativas?
Se associar ao sucesso do pacote fiscal como um todo uma base de sustentação viável para esse governo. O que tinha de dar certo até agora, por enquanto deu, mas isso está longe de estar assegurado. Há grandes riscos, desde se e como vai ser aprovada a reforma da Previdência, porque não se sabe se pode ser aprovado um texto que desfigura a proposta a tal ponto que não produza os benefícios imaginados a longo prazo.
Depois do sucesso de seu quase homônimo francês, Thomas Piketty, o senhor tem de explicar mais a pronúncia do seu sobrenome?
Na verdade, tenho, e há uma história por trás. De alguma forma, sou aparentado com o Thomas Piketty. Conheci há alguns anos uma estudante francesa que era prima dele, Marie Gabrielle, e ela contou que o sobrenome dela era escrito como o meu, porque o avô dela, quando foi para a França, casou com uma mulher que era meio nobre. Ficava ruim, para a sociedade francesa da época, ter sobrenome estrangeiro, e eles afrancesaram para Piketty.