Ele contou na roda que tinha sido preso por questões políticas mas não tinha sido torturado. Pelo menos não fisicamente. Ninguém lhe tocara um dedo. Mas o colocaram numa cela com um homem enorme, que tinha mais de peito do que ele de altura. O nome do homem, e a razão para ele estar preso, nunca ficara sabendo. Só lhe disseram que o apelido do homem era Animal. E que ele gostava de ouvir histórias.
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Histórias? É. O Animal gostava de histórias. Ele deveria contar histórias ao Animal e só parar quando o Animal dissesse "Pare". Se parasse antes, ó...E lhe mostraram o que o Animal faria com o seu crânio, apertando-o entre suas mãos. Se parasse de contar histórias por mais de um minuto, seu crânio viraria um tomate entre as mãos gigantescas do Animal.
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Mas que tipo de histórias deveria contar ao Animal? Se vire, disseram. E o trancaram na cela com o Animal. Ele ensaiou um bom-dia. O Animal quieto. Ele disse seu nome, esticou a mão para apertar a mão do Animal. O Animal imóvel. Olhando fixo para um ponto na sua testa. Talvez, pensou ele, calculando a pressão que precisaria para esmagar sua cabeça. Quando o Animal deu um passo na sua direção, ele disse, rápido:
– Era uma vez...
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O Animal recuou e sentou-se no seu catre para ouvir a história. Ele continuou, tentando desesperadamente improvisar uma narrativa:
– ... uma princesa que morava num castelo. Um dia, um passarinho chegou na janela da princesa e...
Seria aquele o tipo de história de que o Animal gostava? A cara impassível do Animal não lhe dizia nada. Só o que mudara era que ele agora olhava para a boca do outro, em vez de um ponto na sua testa. O narrador continuou improvisando. Durante muitas horas, contou sua história, tentando adivinhar o que agradava e não agradava ao Animal. Mais romance ou mais ação? Mais ou menos sangue? O Animal não fazia um som.
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Entrou de tudo na história. Príncipe. Madrasta. Lobo. Sapo. Dragão. Anão. Vovozinha. Várias vezes o narrador sugeriu que a história tinha terminado.
– E viveram felizes para sempre...
Mas o Animal não dizia nada. E ele, apavorado, emendava outra história.
– Enquanto isso, em outro castelo, longe dali...
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Contou todas as histórias de fada que conhecia e inventou mais algumas.Quando não sabia o que mais inventar, começou a contar filmes, romances, todos os enredos de que conseguia se lembrar. O dia raiou e o Animal continuava olhando para a sua boca, sem dizer uma palavra. Ele espremia a própria cabeça, metaforicamente, para se lembrar de mais histórias. Já esgotara todos os enredos possíveis. Recorrera à Bíblia, às Mil e uma Noites, a Dom Quixote, a Homero, a Janete Clair.
Começou a recontar histórias, variando alguns detalhes para o Animal não desconfiar. Na nova versão, a vovozinha comia o lobo. Misturou histórias. Sinbad e Peter Pan contra invasores de Marte. Pinóquio, o Rei Arthur e o Capitão Nemo juntando-se aos Três Mosqueteiros nas estepes numa emboscada para o mensageiro do Tzar... Os dias passavam e o Animal não desgrudava os olhos da sua boca. E ele não tinha mais voz!
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Decidiu contar histórias com mais conteúdo psicológico do que ação, para ver se o Animal se aborrecia e dizia "Pare". Ou se dormia. Mas o Animal nem piscava. Finalmente, ele se atirou contra as grades e gritou – ou sussurrou, com a pouca voz que lhe sobrava – que não aguentava mais, que o tirassem dali, que confessaria tudo. Confessaria o que quisessem!
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E ele contou que mais tarde, depois que o soltaram, encontrara alguém que estivera preso na mesma época e este lhe perguntara:
– Também botaram você na cela com o surdo-mudo?