Adelaide não poderia descrever o que sentiu quando viu no jornal que um faquir chegara à sua cidade. O jornal trazia uma fotografia do faquir no meio da praça, dentro de uma jaula e deitado numa cama de pregos. Segundo o jornal, o faquir ficaria 40 dias e 40 noites sem comer e beber. Junto do faquir, dentro da jaula, havia uma cobra. O jornal não dizia de que espécie era a cobra.
O faquir vestia apenas uma fralda, igual à que Adelaide via no Cristo pregado na cruz, na igreja que frequentava. Adelaide também não saberia descrever o que sentia olhando o Cristo quase nu. Adelaide tinha mais de 30 anos e nunca vira um homem nu, completamente nu. Quando sonhava com o Cristo, ele vestia um camisolão branco que tapava todo o seu corpo. Depois de ler a notícia da chegada do faquir no jornal, Adelaide sonhou com ele. O faquir aparecia no seu sonho nu. Completamente nu.
Adelaide perguntou à sua patroa se podia ir até a praça ver o faquir.
– Faquir? – disse a patroa. – Ainda existe isso?
E a patroa deixou Adelaide ir ver o faquir.
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Havia uma multidão em volta da jaula do faquir, na praça. Adelaide conseguiu chegar perto da jaula. O faquir estava deitado de costas nos pregos, com as mãos entrelaçadas sobre o peito e os olhos fechados. A cobra se enrolara num dos cantos da jaula e também parecia dormir.
– Ele come escondido, no meio da noite – disse alguém.
– Será que a cobra também faz jejum? – perguntou outro.
De repente, o faquir abriu os olhos, virou a cabeça e olhou diretamente para Adelaide. E sorriu. Adelaide pensou: depois disto, eu jamais vou ser a mesma criatura que eu era. Se pudesse explicar, Adelaide diria que o olhar do faquir tinha sido de misericórdia. O olhar do faquir fora buscar alguma coisa no cerne de Adelaide, triste Adelaide. Que se virou rapidamente e saiu às pressas, abrindo caminho na multidão. Se pudesse explicar, Adelaide diria que tinha sido desvirginada pelo sorriso do faquir.
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Naquela noite, Adelaide fugiu de casa e voltou à praça. A praça deserta. O faquir estava encostado num dos lados da jaula com a cobra a seu lado. Nenhum sinal de comida por perto. Adelaide pediu para o faquir levá-la quando fosse para outra cidade. O faquir respondeu:
– Não, fique aqui. Você só iria para cuidar destas minhas feridas...
E mostrou, não as marcas dos pregos nas costas, mas as marcas dos pregos nas mãos.