Que o Modernismo paulista é superestimado, nenhuma novidade, ao menos para este que aqui escreve. Que essa sobrevalorização conduza a demasias como — não estou brincando — um curso intitulado “O guarda-roupa modernista: o casal Tarsila e Oswald e a moda”, a ser ministrado por Carolina Casarin, talvez seja inesperado, mas não totalmente. Já disse com muito mais talento que eu o Franco Moretti: essas superestimações dependem da eleição de um cânone restritíssimo, que dá valor apenas e somente a um grupo fechado de obras que são lidas, então, como portadoras da revelação. Como fazem as religiões canônicas.
Coisa boa é que a inteligência crítica também está em ação. É o caso de Lira Mensageira — Drummond e o Grupo Modernista Mineiro, de Sergio Miceli (editora Todavia). Miceli é um sociólogo que desde muito tempo vem estudando o campo intelectual e artístico brasileiro, sempre manejando as armas forjadas por Pierre Bourdieu, seu orientador. Agora, o tema está no título. Assunto quente, que tira a literatura das nuvens para encarná-la no jogo da política.
Resulta que Drummond, com esse estudo, sai da condição de "pé-rapado", que ele mesmo se atribuía, de um simples operador secundário da política (foi chefe de gabinete do ministro Capanema, em cuja pasta estava abrigada a política cultural varguista), para a condição de integrante da elite governante do tempo, como pensante da política cultural oficial.
O livro permite extrapolar e conceber um novo mapa dos modernismos no Brasil. Em Minas, Miceli demonstra que a origem social dos protagonistas é a elite burocrática (não a econômica), e o ambiente é o cargo oficial. Já em São Paulo, o movimento foi basicamente tramado nos salões da aristocracia e contou com membros nascidos nela, para depois ganhar posições de mando político na prefeitura e de mando simbólico na USP — síntese minha, não do Miceli. No Rio, o modernismo transcorreu nas redações, nas ruas, nos cafés, nos cinemas, tendo ao fundo toda a gama de cargos na burocracia federal, como demonstrou há tempos Mônica Pimenta Velloso (no livro Modernismo no Rio de Janeiro, de 1994).
Aqui em Porto Alegre, há também a origem funcionária (João Pinto da Silva, Augusto Meyer, Athos Damasceno, Moisés Vellinho) mas, novidade importante, o pivô foi a editora Globo, que publicava os jovens mas atuava no mercado massivo. Assunto por desenvolver mais claramente.