Vi num documentário a cena que narrarei aqui e agora.
A filha longe de casa. Precisava performar. Precisava entregar algo que todo mundo esperava dela.
A moça estava intranquila com isso. Estava nervosa. Mas o mundo em volta dela pedia que a atenção e o foco fossem supremos. Nada de falhas. Nada de choro, nada de dar pra trás.
Todo mundo vive, viveu ou vai passar por situações como essa. A prova de matemática, o esporro do chefe, a derrota no vestibular, a reunião de desligamento da firma, uma separação dolorida e aquelas tristezas tão grandes que nada curará, mas algo pode amenizar.
E essa garota do documentário deu pane. Parou. Não respondeu. E pediu pra sair. O mais incrível é que havia uma câmera mostrando todos os passos dela e uma outra com a sua mãe. Então você é convidado a observar a dor por inteiro, dos dois lados.
Ao sair do desafio, desistir dele, um telefone toca. No outro lado do mundo. Alguém grita “mãe, é a tua filha”.
Ela atende. E todas as frases a partir daquele momento são de carinho. “Eu lhe entendo, não precisa ficar triste, tudo bem desistir. Não liga para os outros, o que pensarão, o que interessa é você aqui. Tá tudo certo, minha filha... o que interessa é você estar bem... só isso. Um beijo. Te amo”.
Não são essas as exatas palavras até porque o documentário não mostra o total da conversa.
Mas essa ligação aconteceu em 2021. A filha estava em Tóquio, Japão. A mãe, nos EUA.
Do que a filha estava desistindo eram as Olimpíadas. E ela era a favorita, a melhor do mundo. Era Simone Biles. Nellie é o nome da mãe. O porto seguro de uma das maiores atletas de todos os tempos.
Mas a história é ainda mais complexa: Nellie é a segunda esposa do avô de Simone. Sua mãe de nascença a largou em um orfanato. O vício em drogas a afastou dos filhos. O avô ganhou na Justiça o direito de ter duas netas consigo. Nellie já estava por ali e criou as meninas. Uma delas, a maior ginasta dos tempos modernos.
Simone a chama de mãe, a trata como tal e, no pior momento esportivo, foi ela o seu carinho maior. Porque mãe é quem ama incondicionalmente, quem acarinha quando o mundo desaba por cima dos filhos.
E é também quem cria.