“O medo faz parte da vida da gente. Algumas pessoas não sabem como enfrentá-lo, outras — acho que estou entre elas — aprendem a conviver com ele e o encaram não como uma coisa negativa, mas como um sentimento de autopreservação.” A frase é de um dos maiores ídolos da história do Brasil contemporâneo: Ayrton Senna da Silva.
Se tinha medo, Ayrton nunca deixou transparecer.
Rebeca Andrade é assim também.
Entre piruetas, mortais e Tsukaharas (sim, agora sabemos tudo de ginástica!), a atleta nascida em Guarulhos (SP), criada por mãe solo em família de sete irmãos, superou tudo: dificuldades financeiras, preconceito, treinos exaustivos, derrotas pelo caminho, lesões graves.
Saiu de casa aos 10 anos, porque tinha um sonho: ser a ginasta nº 1 do mundo. Venceu a melhor de todas e tornou-se a maior medalhista olímpica de todos os tempos no Brasil. Aos 25 anos. Preta. Periférica. Improvável.
Se sentiu medo, Receba jamais permitiu que isso impedisse a sua (nossa) conquista. “A Rebeca não chora”, disse, certa vez, o treinador dela, Francisco Porath, o Chico, em uma entrevista.
Com a mente sã e o corpo forte, a esportista deu exemplo de foco, dedicação e entrega quando a gente já não acreditava mais em ídolos (embora alguns de nós ainda alimentem falsos mitos).
De um jeito doce e robusto, assim mesmo, tudo junto, a sucessora de Daiane dos Santos e Daniele Hypolito puxou a frente de um esquadrão de mulheres invencíveis. Sem desmerecer as vitórias dos nossos atletas, coube a elas o mérito de recuperar a autoestima de uma torcida órfã.
O país acostumado a vibrar com a seleção masculina de futebol andava cabisbaixo. Os craques da bola, há muito, pisaram nela, perderam o viço, desperdiçaram chances. Lá, o silêncio ainda impera diante do sucesso feminino. Mas a gente viu tudo.
O Brasil encontrou em Rebeca, Jade, Flavinha, Julia, Lorrane, nas suas Bias, em Rayssa, Tatiana, Larissa, Gabi, Marta, Lorena, Ana Patrícia, Duda e tantas outras vencedoras um novo motivo para torcer. Sem estrelismos, sem marra, sem hedonismo.
Com os pés cravados no solo ao final de um duplo mortal carpado, Rebeca uniu o país. Para quem crê em significados ocultos, o nome dela vem do hebraico Ribqah. Entre as muitas traduções possíveis, uma delas é “aquela que une”, que “prende”.
Até as rivais Rebeca trouxe para perto de si, na imagem que ficará para sempre gravada como a mais simbólica das Olimpíadas de Paris: no pódio feminino negro, as norte-americanas Simone Biles e Jordan Chiles reverenciaram a brasileira aos olhos do mundo.
Sem medo, consciente de si mesma e de sua importância, Rebeca finalmente chorou.