A festejada capacidade de perceber detalhes da história clínica que permitam intuir diagnósticos menos óbvios e a perspicácia de antecipar a evolução e, com isso, prever desfechos, que há décadas se convencionou chamar de "olho clínico", sempre farão a diferença entre profissionais igualmente treinados.
Mas é inevitável reconhecer o quanto a tecnologia nivelou os médicos, não para equipará-los, porque isso seria impossível visto que dependeria de dotes pessoais intransferíveis, mas para torná-los funcionalmente mais parecidos.
Por outro lado, se usarmos como laboratório de experimentação dos estudantes de Medicina egressos de escolas de alta qualificação, será nítida a disparidade de desenvoltura e afirmação profissional entre eles, ainda que todos tenham um ponto de partida comum. A heterogeneidade se deve ao que os leigos convencionaram chamar de dom, o que é violentamente contestado pelos que nem sabem que isso existe.
Se abstrairmos o fator sorte – que nunca se pode desconsiderar completamente –, cada vez mais o reconhecimento do médico na comunidade científica e leiga se baseia nos atributos pessoais do candidato. Não por outra razão há uma irrefreável tendência moderna de incluir as ciências humanas no currículo das faculdades de Medicina.
E se nós, médicos, encaminhamos nossos pacientes àqueles colegas que, além de tecnicamente competentes, sejam também carinhosos e afetivos, por que esperaríamos que os pacientes que possam escolher usassem critérios menos exigentes? Ou alguém se sente confortável ouvindo queixas dos pacientes ao voltar do colega que indicamos?
Pensei nisso constatando a crescente presença de mulheres na atividade médica. Atualmente, em muitas turmas, o percentual excede os 70%. Seguramente, esse crescimento impressionante é multifatorial e faz parte deste acelerado processo de inclusão da mulher no mercado de trabalho, e não haveria razão para que fosse diferente na medicina. Mas será que é só por isso?
Um apressado se contentaria com essas justificativas, mas claro que há muito mais a explicar e, provavelmente, a avalanche feminina na medicina moderna é a simples consequência do reconhecimento de algumas virtudes inerentes ao gênero.
A ciência médica é cada vez mais dependente de detalhes, e as mulheres são mais minuciosas. Toda a tecnologia não dispensou a necessidade de ouvir, e as mulheres são melhores ouvintes.
O clamor pela recuperação do terreno perdido na área da afetividade, resultante da socialização desumana da atividade médica, escancarou a necessidade de um profissional mais afeito ao carinho, à proteção e à generosidade.
Admita que é muito difícil contestar ou competir com concorrentes que possuem esses atributos embutidos na composição do DNA.
E você, que se considera um machista irrecuperável, abaixe o tom dos seus resmungos: é bem provável que logo ali adiante você seja cuidado por uma delas!