Recebemos dezenas de mensagens de policiais penais no fim de semana, após o assassinato a tiros de um líder de facção, Jackson Peixoto Rodrigues, o Nego Jackson, dentro do módulo 3 da Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan 3). Os servidores do sistema penitenciário reclamam que esse complexo penal, que surgiu para ser modelo, não tem muros, que as telas são cortadas com alicate, que esquadrilhas de drones manipulados por criminosos enxameiam ao redor da prisão e que um desses aparelhos levou a pistola usada para matar o chefe criminoso.
Duas mensagens, porém, chamam a atenção e precisam de urgente esclarecimento do governo estadual. Uma delas afirma que a média é de quatro policiais penais de serviço para cada módulo com 400 apenados. Ou seja, existiriam cem vezes mais detentos do que vigias para monitorar os movimentos deles.
Ouvimos o governador Eduardo Leite nesta segunda-feira (25), sobre a morte de Jackson e outros problemas, mas ele não chegou a esse nível de detalhamento — quantos presos vigiados por quantos servidores. Apenas reforçou que seu governo fez diversos concursos, o que é verdade.
Mas, a ser verdadeira, a desproporção entre presos e quem deveria vigiá-los ajuda a entender como os detentos conseguem armas, drogas e celulares a rodo, num local que deveria ter bloqueio de sinal telefônico. Aliás, isso tampouco funciona, como mostrou o colega Lucas Abati, ao telefonar dos muros contíguos à Pecan e relatar que tendas montadas em frente ao complexo penitenciário possuem redes de Wi-fi viabilizadas por roteadores.
A outra mensagem sintetiza como um projeto ideal pode virar pesadelo. A Pecan nasceu para ser modelo e não abrigar facções. Pois um dos servidores penais assegura: o complexo prisional de Canoas tem hoje mais de 380 integrantes da facção Bala na Cara e outro contingente semelhante de presos ligados aos Manos, Família do Sul (a facção chefiada pelo Nego Jackson) e Abertos. Os policiais penais dizem que, dos quatro módulos da Pecan, só um não tem detentos faccionados (a Pecan1).
As facções teriam dominado a penitenciária canoense porque suas chefias foram enviadas para lá para que não se comunicassem. A suposição é de que os bloqueadores de celular da Pecan funcionam, enquanto os demais complexos prisionais não têm esse sistema. Tudo indica que não é bem assim e que os apenados driblam o bloqueio. E o grave efeito colateral é que agora os faccionados dominam aquela prisão.
Os inquéritos administrativo e penal abertos para esclarecer o assassinato de Nego Jackson embutem vários desafios. Um deles é se a arma chegou mesmo por drone, o que já é inadmissível. Mas é preciso ainda entender como, após a pistola chegar no pátio, foi levada até as mãos do matador, Rafael Telles da Silva, o Sapo (preso em flagrante). E como Sapo teve a informação de que seu inimigo estava próximo? Como soube o momento exato em que Jackson seria chamado para conferência, virando alvo para seus tiros? Tudo indica que recebeu informação privilegiada.
Leitores saúdam a morte do bandido, celebrando: "Menos um". Só esquecem que para cada morte no submundo vem uma represália. Comunidades ficam em pé de guerra. Policiais são deslocados para patrulhá-las. E o cobertor curto faz com que outras áreas fiquem desguarnecidas. Pensem nisso, antes de comemorar.
Atualização: após a publicação da coluna, o governo esclareceu que no dia do assassinato a média na Pecan era de 45 presos por policial penal. Em outro texto. Detalhes, neste texto aqui.