A Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados promove audiência pública nesta terça-feira (23) com o ministro da Justiça e Segurança Pública de El Salvador, Gustavo Villatoro. A conversa acontecerá por videoconferência, a partir das 10 horas. Ele vai abordar um tema extremamente polêmico: o Plano de Segurança de Controle Territorial adotado por aquele país centro-americano para combater as facções criminosas. A iniciativa inclui prisões sem ordem judicial e resultou na construção de uma megaprisão, com capacidade para 40 mil detentos (a maior da América) e que reúne muito mais pessoas do que a média das cidades daquele país.
O pedido para a realização da audiência foi feito pelo deputado Osmar Terra (MDB-RS):
- Há dois anos, El Salvador era o país com maior número de assassinatos do mundo, e agora está quase sem homicídios. Se a tendência atual continuar, El Salvador poderá se tornar um dos países mais seguros do mundo - pontua o parlamentar, ao justificar o convite ao ministro salvadorenho.
As estatísticas oficiais mostram que o país da América Central tinha taxa de 38 homicídios por 100 mil habitantes, em 2019, e hoje está com taxa de 7,8 homicídios por 100 mil habitantes.
Terra considera que "bandido tem que ser tratado como bandido" e que em El Salvador o governo "não passa a mão em criminosos". Apesar de saudar a iniciativa salvadorenha de retirar os bandidos do convívio das ruas, ele não chega a elogiar uma das controversas providências adotadas pelo presidente de El Salvador, Nayib Bukele: o decreto de estado de exceção.
Em resposta a uma onda de violência promovida por gangues em 2022 - que resultou na morte de 87 pessoas em um período de 48 horas - o governo salvadorenho suspendeu direitos constitucionais, como a realização de assembleias e a inviolabilidade de correspondências, por exemplo. O estado de exceção também permite ao governo realizar prisões sem mandados judiciais.
A medida foi prorrogada diversas vezes e dura até hoje, tendo gerado, até maio de 2023, quase 68 mil presos, grande parte deles sem ordem judicial. A taxa de encarceramento no país, de 600 presos por 100 mil habitantes, é quase o dobro da do Brasil. Cerca de 2% da população foi presa em um ano, para dar uma ideia.
Qual a diferença disso e de uma ditadura, pode questionar o leitor? Pouca, mas é necessário ressaltar dois aspectos. Um deles é que o estado de exceção está previsto constitucionalmente (em vários países, inclusive no Brasil), em casos de grave instabilidade institucional ou da ordem pública. E El Salvador realmente vivia um caos, em termos de violência. Aquele país é a terra das Maras, facções criminosas que inclusive se tornaram multinacionais, atuando em toda América Central e cidades grandes dos Estados Unidos. As duas mais famosas são a Mara Salvatrucha-13 (MS-13) e sua rival Mara Barrio 18 (MS-18).
A iniciativa é muito popular. Pesquisas mostram Bukele como favorito para a reeleição. Restam algumas perguntas: o Brasil vive esse tipo de emergência? O cidadão está disposto a ter seu direito de ir e vir tolhido, a ter suas mensagens vistoriadas pelo governo, a correr risco de prisão sem comunicação a um juiz? São questões que a Comissão de Segurança da Câmara deve abordar, antes de sugerir El Salvador como exemplo.