A Brigada Militar decidiu reagir com energia aos relatos de que policiais militares acobertavam e até se envolviam em coações a trabalhadores submetidos a trabalho análogo à escravidão na colheita da uva. O Corregedor-Geral da BM, coronel Vladimir da Rosa, passou a quarta-feira (1) em Bento Gonçalves. Deve continuar nos próximos dias, para comandar pessoalmente o início das investigações a respeito do envolvimento de PMs em espancamentos e ameaças a safristas que estavam em condições degradantes numa pousada, impedidos de sair e endividados.
Os depoimentos dos safristas foram tomados pela Polícia Federal e fiscais do Ministério do Trabalho e Ministério Público do Trabalho (MPT), após um grupo de 207 empregados na colheita ser resgatado de um alojamento em Bento Gonçalves, no qual eram mantidos em condições sub-humanas. Quase todos são baianos. A reportagem teve acesso a alguns relatos. Em um deles, um homem de 24 anos, de Salvador (BA), diz que foi contratado para colher uva mediante promessa de salário de R$ 3 mil líquidos, banho quente, 10 horas de trabalho por dia e folgas nos fins de semana. Ele afirma que o banho era frio, que trabalhava até 12 horas por dia, que nunca recebeu o dinheiro combinado e que tinha de pagar por água, talheres e utensílios de higiene pessoal. Fala ainda que, ao divulgarem um vídeo no qual reclamavam das condições de trabalho, ele e outros safristas foram espancados com cadeiras de ferro por seguranças do alojamento onde estavam abrigados, em Bento Gonçalves.
Outro safrista baiano disse que os guardas da pensão eram comandados por um PM, que se intitulava sargento. Esse homem teria orientado policiais fardados, da Brigada Militar, a espancar e dar choques elétricos em trabalhadores que reclamaram ou que brigaram na pousada. Os nomes de dois soldados supostamente envolvidos na tortura já chegaram aos investigadores, mas há suspeita de que contavam com apoio de outros policiais, inclusive atuando a pedido de empresários, durante o turno de serviço.
O alojamento onde os trabalhadores foram mantidos em condições análogas à escravidão é administrado por um conhecido empresário de Bento Gonçalves, Fábio Daros. Já os safristas da uva foram contratados por um conterrâneo deles, o baiano Pedro Santana, radicado há uma década na serra gaúcha e que tem diversas empresas no ramo de serviços e transporte. Os dois são investigados pela PF, MPT e Ministério do Trabalho. Santana chegou a ser preso em flagrante, mas foi solto 10 horas depois, após pagar fiança.
O Corregedor-Geral não quer detalhar a averiguação. A reportagem apurou com fontes da Secretaria de Segurança Pública (SSP) que mais de 70 agentes foram designados para apurar os relatos de PMs que teriam torturado os safristas. Cerca de 20 vão atuar na Serra, os outros farão análises, não necessariamente se deslocando desde a Capital. É possível que a investigação seja ampliada para o envolvimento de policiais militares em serviços privados de segurança na região serrana, mesmo que não relacionados ao episódio dos trabalhadores da colheita da uva.
A principal investigação deve ser relativa ao 3º Batalhão de Policiamento de Áreas Turísticas (3º BPAT), responsável pelo policiamento ostensivo em Bento Gonçalves e 25 outros municípios da Serra. O batalhão tem efetivo atual em torno de 315 policiais. Numa primeira leva devem ser interrogados 100 que trabalham em Bento, mas é grande a probabilidade de que todos os policiais sejam convocados a prestar depoimento, em separado, sobre relações de PMs com empresas privadas.
Os PMs estão prestando depoimento um a um, em separado. Em média, cada oitiva dura 50 minutos. A BM ainda aguarda repasse de informações do MPT e da PF a respeito do envolvimento de brigadianos em serviço privado e espancamentos. Não há prazo para conclusão das investigações.