No dia em que os primeiros tanques russos invadiram o território ucraniano, a bancada do Partido dos Trabalhadores no Senado emitiu nota em que culpava o Ocidente pela invasão. "O PT no Senado condena a política de longo prazo dos EUA de agressão à Rússia e de contínua expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em direção às fronteiras russas...Essa política imperialista produziu o quadro geopolítico que explica o atual conflito na Ucrânia", diz o principal trecho do comunicado.
A nota foi retirada rapidamente das redes sociais e senadores petistas vieram a público dizer que não fora revisada, mas o impacto político já tinha ocorrido. A esquerda brasileira se alinhou ao apetite territorial neo-czarista de Vladimir Putin? Na realidade, os esquerdistas brasileiros se dividem quanto a esse assunto (assim como em relação a vários outros). Para ficar apenas no PT, o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim (que atuou nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva) veio a público dizer que "grande parcela da culpa, da responsabilidade, é dos EUA e da expansão da Otan". Posição que coincide com as falas de Putin para justificar a invasão. Lula, porém, criticou a guerra e os ataques russos.
No PC do B, a secretária de Relações Internacionais, a cientista política Ana Prestes (neta do legendário comunista Luís Carlos Prestes), repete que "existe um ator que foi fundamental para minar qualquer possibilidade para se chegar a um acordo diplomático: os EUA, que preferiram instigar e investir na beligerância via expansão da Otan". Ela ressalva, porém, que "a Rússia também tem suas responsabilidades e que o ideal é a não-intervenção".
No Partido Comunista Brasileiro (PCB), o historiador e professor Jones Manoel (que tem 161 mil seguidores no Twitter) coloca a culpa da invasão da Ucrânia no Ocidente. Em séries de tuítes, ele diz que os protestos de ucranianos contra o governo, em 2013, foram apropriados por grupos neonazistas, lembra que a Ucrânia teve histórico de líderes nazifascistas (como Stepan Bandera) e chama o governo atual da Ucrânia de neofascista e anticomunista e provocador, "ao flertar com a Otan".
Manoel acusa o governo ucraniano de perseguir os russos étnicos, proibir o uso do idioma russo e diz que a revolta dos territórios de Donetsk e Lugansk é uma defesa da memória antifascista da União Soviética.
"O Governo Biden, em outra provocação inacreditável, afirma que irá destruir o gasoduto Nordstream 2...o governo Putin reage agressivamente e começa uma operação militar na Ucrânia", conclui Manoel, admitindo, relutante, que "não se trata de dizer que a Rússia é santa ou algo do tipo, mas que os Estados Unidos e a Otan buscaram esse conflito".
O PCO, outro partido comunista brasileiro, sentenciou em seu jornal Causa Operária:
"A Rússia é a maior vítima. O governo Putin está apenas se defendendo da agressão imperialista, e por isso deve ser defendido em sua ação. Na prática, independentemente do que se pense sobre Putin ou o governo russo, a Rússia, ao realizar essa "invasão" à Ucrânia, está libertando o país do jugo imperialista".
Mas está longe de ser um dogma essa posição na esquerda. O sociólogo e jornalista gaúcho Marcos Rolim, que já foi deputado federal pelo PT e hoje milita de forma independente na esquerda, critica esquerdistas que seguem repetindo que a Ucrânia está "cheia de grupos neonazistas" e ainda não se deram conta de que o país é uma democracia "e que a Rússia é dirigida pelo líder da extrema-direita mundial, admirado por sua cruzada contra os direitos LGBT na Rússia".
No Twitter, Rolim continua, numa crítica à esquerda:
"O ditador Nicolas Maduro apoia Putin enfaticamente e setores da esquerda no Brasil não sabem o que dizer, porque seguem na guerra fria. Alguns grupos, na mais grave crise política mundial, criticam os EUA como se a rejeição à criminosa intervenção de Putin fosse hipocrisia. É incrível que diante de uma agressão que viola a autonomia de uma nação muitas pessoas não sejam capazes de expressar veemente condenação, porque os EUA também violam a soberania de várias nações. Então fica assim: já que os EUA invadem, Putin também pode".
A executiva nacional do PSOL também condenou o ataque militar russo à Ucrânia e a prisão de jovens pacifistas russos. O partido se posiciona pela "retirada imediata das tropas russas", mas também pelo fim do projeto de expansão de bases militares da Otan na região.
Como se vê, mesmo uma ocupação de um país pelo outro é quase uma unanimidade negativa. Só que não é.