A cada ano, quando surge notícia de um novo golpe envolvendo benefícios governamentais, meu lado cândido e otimista sofre um baque. Como pode que essa gente já tenha descoberto uma maneira de desviar dinheiro destinado aos pobres, se o programa recém foi lançado?
Pois é, o Brasil é uma usina de sacanagens, que obrigam as polícias e o Ministério Público a correr atrás do prejuízo. A última é dos fura-filas da vacina. Não sei porque me surpreendi. Achei que, como a vacinação salva vidas, a solidariedade com os mais idosos e os que correm mais risco (pessoal da saúde) iria predominar. Engano. Sempre há espaço para egoísmo num país em que algumas autoridades encarregadas de distribuir a vacina são as mesmas que indicam afilhados políticos para serem imunizados primeiro.
Faço investigações sobre desvios em programas governamentais há pelo menos 20 anos. O Bolsa Família tinha sido recém criado e publiquei reportagem que mostrava cidadãos “fantasmas” recebendo o benefício – além de gente com casa de dois andares e colheitadeira no galpão, também beneficiada. Anos depois mostrei como assentados pela reforma agrária vendiam lotes de terra ganhos do governo. Depois, a partir do Minha Casa, Minha Vida, fiz vídeos evidenciando o comércio de apartamentos por parte de quem tinha sido recém contemplado com a casa própria (mostrei isso em quatro ocasiões diferentes).
Aí veio o auxílio emergencial. Com os colegas Giovani Grizotti e Glaucius Oliveira, revelamos como empresários, funcionários públicos e socialites não hesitaram em sacar os R$ 600 do governo que deveriam ser destinados aos prejudicados pela pandemia. Mostrei também como políticos, com campanhas eleitorais caras, tiraram esse benefício.
Então surgiu a vacinação e os fura-filas. Não deveria, mas me espantei. Há quem diga que o Brasil é assim desde a descoberta, quando foi povoado por desterrados e aventureiros. Pobre país, onde fiscalizar é enxugar gelo.