Causou estranheza a muita gente o resultado final do inquérito da Polícia Civil que apurou a morte do engenheiro Gustavo do Amaral dos Santos, em Marau, norte do RS. Ele foi morto por policiais militares que tentavam parar um veículo roubado e o confundiram com um dos bandidos. O carro dos criminosos colidiu com a caminhonete onde estava Gustavo e, ao tentar sair, o engenheiro levou um tiro. Morreu no local.
O delegado Norberto Rodrigues, responsável pela investigação, concluiu que o PM que atirou em Gustavo agiu em legítima defesa imaginária (conhecida, no jargão jurídico, como putativa). Um erro, não um assassinato, enfim.
É necessário salientar que, embora rara, existe essa figura no Direito. A legítima defesa clássica acontece quando alguém reage porque é ameaçado concretamente por outra pessoa armada ou muito mais forte. A legítima defesa putativa acontece quando alguém reage – e mata – porque presumiu que seria agredido.
Um caso clássico ocorreu em Bagé, em 1970. O jovem advogado Mathias Nagelstein, então vereador de oposição ao regime militar, era alvo de críticas frequentes de um militar graduado. Num certo dia, ao passar por uma praça, viu os dois desafetos vindo em sua direção e interpretou que iriam cumprir o prometido. Sacou de um revólver e disparou, matando os dois. Ele diz que seus adversários estavam armados, os familiares dos mortos negaram – a arma, se existente, sumiu do local do embate. Após ficar preso por mais de dois anos, Nagelstein fez sua própria defesa e acabou absolvido duas vezes pelo júri, alegando legítima defesa putativa (já que a arma dos mortos não apareceu).
Policiais estão entre os que mais costumam alegar legítima defesa putativa, já que muitas vezes estão em ação para prender alguém e acabam atingindo inocentes, por acidente. A questão é que o caso de Marau tem outros elementos, mais graves. Um colega de trabalho, que estava com Gustavo dos Santos na caminhonete, diz que ambos tentavam se proteger do tiroteio quando chegou um soldado. Mesmo pedindo para não serem alvejados, o PM disparou, matando o engenheiro, relata a testemunha.
— Acidentes acontecem, mas não é o caso. O PM disparou depois que a vítima se identificou — relata o advogado Daniel Tonetto, contratado pela família do engenheiro para fazer a acusação contra os PMs.
Já os advogados dos policiais, José Paulo Schneider e Ricardo de Oliveira Almeida, asseguram que o PM confundiu um celular do engenheiro com uma arma apontada em sua direção e, por isso, atirou.
O PM não foi indiciado, mas a família promete recorrer contra a conclusão do inquérito. Várias questões serão levantadas: houve avaliação correta do risco? Por que atiraram se o engenheiro se identificou? Quem foge durante tiroteio, necessariamente, tem de ser morto? Aliás, a Brigada Militar acaba de discordar da Polícia Civil e indiciar o PM pela morte do engenheiro. Com a palavra, o Ministério Público.