
Se o churrasco é uma tradição gaúcha consolidada, as novas tendências de consumo têm feito com que outras proteínas e ingredientes ganhem espaço no fogo dessa cultura. E mexem com a produção: para dar conta da demanda que vem do mercado, a pecuária de corte tem se adaptado. Aproveitando o Dia do Churrasco, celebrado nesta quarta-feira (24), a coluna conversou com especialistas para saber como o jeito de preparar essa refeição impacta a atividade, do campo à mesa.
— É um ciclo virtuoso. A pecuária de corte melhorou, porque a exigência do consumidor aumentou na hora do churrasco — avalia Roberto Grecellé, sócio-proprietário da Prado – Estratégias para Agronegócios e idealizador e responsável pelo projeto de curadoria técnica O Cara da Carne.
Cortes mais tradicionais para o churrasco gaúcho, como maminha, vazio e picanha, passaram a dar espaço ao assado de tira, New York strip, entrecot, bife de chorizo, T-bone, entre outros, cita Grecellé. O consumidor passou a sinalizar o desejo de ter acesso a esses cortes diferentes, a partir da interação com programas de culinária e influenciadores que "ensinaram" a ele isso.
— O corte da carne determinou para toda a cadeia a mudança que precisava ser feita. A indústria entendeu que o mercado estava pedindo isso — pontua o consultor, reforçando suas observações sobre a perspectiva da carne gaúcha para o churrasco.
Argentinos e uruguaios ensinaram a tornar nobre as vísceras, o rim, etc, a influência de utilizar cortes de formas diferentes e também a grelha para fazer o churrasco. Americanos, por sua vez, contribuíram com o uso da defumação e o uso do dianteiro — os cortes típicos do gaúcho são mais do traseiro. Essas combinações favorecem o melhor aproveitamento da carcaça.
Outro ponto a ser considerado é que, mais do que uma refeição, o churrasco virou uma "microespetáculo". Da carne embalada, ao corte servido, tudo é exibido com orgulho nas redes sociais. O efeito disso? Mais uma vez, no setor produtivo. A indústria e o produtor passaram a ter de entregar uma carne "extra limpa", que seja esteticamente bonita, explica Grecellé. E, para isso, a qualidade da carcaça tem de ser elevada.
Nesse contexto, a comunicação assume um papel importante. A ponto de ser uma das temáticas abordadas na 19ª Jornada do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (NESPro). Júlio Barcellos, coordenador do núcleo e professor da UFGRS, explica que o consumo de carne bovina se divide em dois grandes grupos: o que usa a proteína como ingrediente da alimentação e o que é "um direcionador de tendências de mercado e influenciador". O primeiro já busca informações sobre o produto, mas ainda tem no preço um fator importante de decisão. O segundo leva em consideração qualidade e começa a buscar dados relacionados ao local de produção, se há ou não algum conflito ambiental, sobre a forma de produção, se há algum tipo de benefício social no processo produtivo.
— Quem deseja produzir o rebanho de olho nesse mercado tem de fazer tarefa de casa. Está assumindo uma série de outros compromissos, porque a indústria de abate está começando a receber essas cobranças. Tudo isso vem sendo muito potencializado por influenciadores, pela gourmetização da carne — pontua Barcellos.
No quesito comportamento, o coordenador do Nespro cita "a tríade do comportamento do churrasco": carne, vinho e mel (CVM, uma sigla que, segundo Barcellos, começa a ser usada).