O assunto da última semana no mercado financeiro foi o risco da maior potência econômica do mundo, os Estados Unidos, entrar em recessão. A possibilidade começou a ganhar endosso após o Federal Reserve (Fed) — o Banco Central americano — elevar a taxa de juros em 0,75 ponto percentual, o maior aumento desde 1994, e avisar que novas subidas virão em breve. A escalada tem um objetivo bem claro: conter a inflação, que já chegou a 8,6% no país em 12 meses.
"A inflação permanece elevada, refletindo desequilíbrios de oferta e demanda relacionados à pandemia, preços mais altos de energia e pressões mais amplas sobre os preços", disse parte do comunicado feito pelo FED ao anunciar o aumento na taxa de juro . "A invasão da Ucrânia pela Rússia e os eventos relacionados estão criando uma pressão ascendente adicional sobre a inflação e estão pesando sobre a atividade econômica global. O Comitê está altamente atento aos riscos inflacionários", completou.
Na quarta-feira (22), inclusive, o presidente do Fed, Jerome Powell, afirmou, em depoimento ao Comitê Bancário do Senado americano, que existe, sim, a possibilidade de os Estados Unidos entrarem em recessão como consequência da aceleração da alta dos juros.
— Não é, absolutamente, o resultado desejado, mas certamente é uma possibilidade — falou.
As políticas monetárias e os riscos de recessão dos Estados Unidos evidenciam algo que a coluna já vem noticiando: a crise inflacionária é um problema mundial. E como o país norte-americano está lidando com isso foi um dos temas da entrevista com o economista John Welch, especialista em mercados emergentes e fundador da Research for Emerging Markets (REM), para o podcast Nossa Economia. Ele morou no Brasil por muitos anos e trabalhou em grandes bancos de varejo e em instituições de investimento.
Em janeiro, durante a cobertura da NRF — uma das maiores feiras do varejo no mundo, em Nova York — a coluna já havia conversado com John para falar sobre a inflação, um dos principais assuntos da edição deste ano. Agora, com a elevação dos preços ao consumidor e aumento da taxa de juro, volta a falar com o especialista, direto dos Estados Unidos. Confira trechos abaixo e a entrevista completa no final desta matéria:
A inflação é uma preocupação nos Estados Unidos?
É sim. Na última vez que conversamos, eu disse que não via nada impedindo uma alta maior da inflação, e foi, exatamente, o que aconteceu. Infelizmente, não mudou muito desde então. Teve uma alta na taxa de juros pelo Federal Reserve, mas é muito pequena. Quando você tem uma inflação de 8,6% e uma taxa de juros de 1% a um 1,25%, é muito pouco. Tem uma taxa de juros real negativa na ordem de 7%. Políticas monetárias tomam muito tempo para terem efeito. Estão apertando muito lentamente. E geralmente, depois que aperta, você só vê os primeiros efeitos em 12 a 14 meses. Estou muito pessimista sobre a inflação americana.
Como os norte-americanos estão sentindo a inflação de agora?
Estão reclamando, como todo mundo. Ninguém gosta de passar por isso.
O pessoal sente com força, como o brasileiro?
Sente muito. Certamente, teve choque de oferta. Aumentou a demanda, mas a oferta não está ajudando. Agora, está começando a ajudar um pouco porque as linhas de produção estão começando a abrir. Pessoas estão voltando para o trabalho, serviços estão melhorando. A inflação veio primeiro nos bens — principalmente, comida. Está indo para os serviços.
Estou muito pessimista sobre a inflação americana
JOHN WELCH
Economista
O norte-americano sente pressão na gasolina? Está reclamando do preço no supermercado? Do preço do automóvel?
Os automóveis foram os primeiros a subirem de preço porque tiveram problemas na cadeia de suprimento, com escassez de chips. Depois, houve a alta de petróleo, que já estava começando antes da pandemia e da invasão na Ucrânia — que são dois fatores que explicam os últimos aumentos. Mas a escalada de demanda já estava no ar, então não era muito difícil prever uma inflação. O problema é que ninguém com menos de 55 anos nos Estados Unidos tem memória disso, que foi a última vez que tivemos inflação nos Estados Unidos. Quando eu fiz meu doutorado, olhei muito para inflação dos anos 1970. Agora, as pessoas falam "ah, isso não é os anos 1970". Na minha opinião, vai ser pior, porque as políticas fiscais e monetárias estão mais frouxas do que naquele tempo.
E a gasolina aumentou muito?
Aumentou muito, especialmente nas últimas semanas. É um recorde nominal do preço da gasolina. Não é um recorde real, se você corrige pela inflação. Não estamos em níveis de 1974, nem de 1979, mas em termos nominais é um recorde. A média está acima de US$ 5 por galão. É mais caro do que para os brasileiros, se converter para reais e para litros. Comida e aluguel também estão subindo muito. Quando os serviços começam a crescer de preço, isso cria um problema mais enraizado. Todas as pesquisas de opinião das indústrias, todos estão pessimistas sobre inflação.
O aumento comida é no geral, ou alguns alimentos sentem mais?
É a sensação de que tudo está subindo, mesmo. A questão é que você tem coisas pontuais. As colheitas não foram bem. O trigo, por exemplo, por causa da guerra na Ucrânia, está tendo uma alta muito significativa mundialmente. A Ucrânia é um grande exportador de trigo. Outra questão é o adubo. O Brasil já fez uma boa negociação para assegurar a oferta de adubo, mas o mundo agrícola inteiro está sentindo a falta do insumo por causa da Ucrânia. Tem várias coisas pontuais, como trigo, mas a sensação é de que tudo está subindo.
A sociedade norte-americana tem se manifestado?
Sim. Olhe as pesquisas do presidente Biden. Ele tem uma aprovação de 30%, depois de um ano e cinco meses de mandato. Nunca vimos uma queda assim. A inflação de comida nos últimos 12 meses é de 13%. Os últimos três meses, se você anualiza, é de 16,4%. O grande destaque é energia, realmente aumentou muito: 66,7% nos últimos três meses, se você anualiza. Se você olha as pesquisas sobre o que vai acontecer em novembro (quando acontece eleições legislativas), parece que os republicanos vão retomar a Câmara e ao Senado. E está havendo protestos contra o aumento de aluguéis em Nova York e em outros lugares, como Seattle e São Francisco. Outra manifestação, infelizmente, é o momento de roubos e de outros crimes.
O governo tem feito alguma coisa? Sei que o varejo norte-americano está pressionando também para que o governo retire sobretaxas, tarifas de produtos chineses. Aqui no Brasil, algumas medidas estão sendo discutidas.
A coisa mais eficaz que o Brasil fez pra combater essa inflação foi a política monetária. O Banco Central foi muito bom em antecipar a aperto na taxa de juros. Eles apertaram antes que quase todos os outros bancos centrais do mundo. Isso já começou, parece, a surtir feito. Tem a questão orçamentária, mas na política fiscal o Brasil foi muito bem. Diferente daqui, o Brasil cortou os gastos nominalmente. Sim, teve a recuperação de receita por causa da inflação, mas os gastos nominais do governo federal caíram no ano passado. Por aqui, a política fiscal é pior, está mais frouxa do que nos anos 1960, quando estávamos financiando a guerra no Vietnã.
Ouça o podcast no Spotify:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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