O cacique José Acácio Serere Xavante foi preso em Brasília no dia 12 de dezembro de 2022. A Polícia Federal estava cumprindo mandado de prisão temporária solicitada dois dias antes pela vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, que viu nas críticas de Serere ao processo eleitoral e a ministros do STF possível violação ao artigo 286 do Código Penal ("incitação ao crime"). O cacique prestou um longo depoimento à PF e, com base nas informações coletadas, a vice-procuradora entendeu que ele deveria ser solto para responder ao processo em liberdade. Em qualquer país civilizado, submetido ao império da lei e do direito, e com uma democracia protegida de tentações tirânicas, tudo teria seguido exatamente este roteiro. Mas estamos no Brasil, o país que caiu quatro posições no Democracy Index, elaborado pela The Economist Intelligence Unit. Não é difícil entender por que passamos a figurar neste ranking num discreto 51º lugar, atrás de países como Cabo Verde e Timor Leste. Figuras como Alexandre de Moraes, ministro do STF que se tornou o carrasco do ordenamento constitucional brasileiro, explicam.
No caso do cacique Serere, Lindôra pediu cinco dias de prisão temporária, como prevê a lei. Moraes desceu o machado: 10 dias. Quatro dias depois, em 16 de dezembro, Lindôra disse, em juridiquês, o equivalente a "Podem soltá-lo, já tenho o que preciso". Moraes ignorou, e fez mais: transformou a prisão temporária em "preventiva" — aquela que não tem prazo para acabar. O cacique, homem doente, se ajoelhou assinando uma carta de retratação perante Moraes. Prometeu moderação no que lhe deram para assinar. Funcionou ao revés: em vez de clemência, ele conheceu a ira de um lutador de muay-thai com muito músculo, perna, cotovelo e quase nenhum autocontrole.
A vice-procuradora-geral da República defendeu a libertação do índio em quatro momentos. Tudo em vão. A última vez foi em 24 de maio, quando Lindôra apresentou denúncia com base no artigo 286 do Código Penal, reiterou a convicção de que não havia razão para manter Serere privado de sua liberdade e, também, sustentou que o caso deveria ir para a primeira instância, a da Justiça comum, pois o Supremo não é o foro competente para julgar o xavante. Moraes o manteve preso. E preso ele está até a data em que escrevo estas linhas. São mais de oito meses de prisão em regime fechado, quando o artigo 286 do Código Penal, aquele com base no qual Lindôra denunciou Serere, prevê multa ou pena de três a seis meses de detenção (regime aberto ou semiaberto). Ou seja, antes de ser julgado e, eventualmente, condenado, o cacique já cumpriu mais do que a pena máxima que seria possível impor a ele se tivesse sido sentenciado.
Com diabetes tipo 2, como muitos xavantes, Serere obteve da juíza da Vara de Execuções Penais direito a assistência médica especializada e dieta adequada, mas a ordem judicial foi e segue sendo descumprida. E assim ele vai definhando, esquecido ou boicotado pelo novíssimo "Ministério dos Povos Indígenas", como também pelo emudecido "Ministério dos Direitos Humanos". "Serere está ficando cego", diz o advogado do cacique, Geovane Veras.
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