Quando faço palestras para estudantes de medicina, explico que devem se preparar para dar consultas nos ambientes mais inusitados. Em reuniões sociais, almoços de domingo com a família, festas de casamento, estádios de futebol, no bar com os amigos, sempre haverá alguém que aproveite a oportunidade para lhes trazer um problema de saúde.
Insisto que devem tomar cuidado com o que respondem. Se a prática da medicina já é difícil quando ouvimos o histórico da doença, examinamos o paciente e analisamos as imagens e os exames laboratoriais, imaginem fazer diagnósticos e indicar tratamentos no meio de uma balada ou no burburinho do botequim.
Meu caso é mais delicado. O trabalho educativo que faço há 25 anos na televisão expõe minha imagem na sala de jantar das famílias. Num país onde o acesso à assistência médica nem sempre está ao alcance, é fácil entender por que tantos me fazem perguntas sobre doenças e comportamentos que afetam a sua saúde e a dos familiares.
Em boa parte das vezes, as dúvidas são simples: quanto devo tomar de água? É melhor fazer exercício de manhã ou à noite? Beber cerveja todo dia faz mal? Como faço para largar do cigarro?
O WhatsApp agravou a coisa, porque colocou os médicos à disposição dos parentes, vizinhos e amigos.
Em outras vezes, as questões envolvem problemas complexos, impossíveis de resolver em consultas-relâmpago: minha tia tem câncer de mama, o médico receitou quimioterapia, precisa mesmo? Meu avô anda muito esquecido, é Alzheimer? Meu sobrinho nasceu com mutação no cromossomo 16, vai conseguir levar vida normal?
O WhatsApp agravou a situação, porque colocou os médicos à disposição dos parentes, vizinhos e amigos. Durante a pandemia, o marido de uma paciente que eu tinha consultado apenas uma vez enviou uma mensagem que começava assim: "Doutor, o irmão de uma prima em segundo grau da minha mãe foi diagnosticado com mieloma, tem cura?".
Assim aconteceu com o taxista em questão. Durante a corrida que começou na porta do Hospital Sírio-Libanês, ele se queixou do impacto da criação do Uber na vida dos motoristas de praça. Quando estávamos a dois quarteirões de casa, revelou a natureza do probleminha que o afligia:
— É uma feridinha no pênis. Incomoda, coça e queima. O senhor sabe que pomada é boa?
Aconselhei-o a procurar um urologista. Respondeu que não tinha dinheiro para a consulta, era empregado do dono no veículo. Sugeri que fosse à Unidade Básica de Saúde do bairro. Explicou que já havia tentado duas vezes, não podia perder dia de trabalho.
Depois de tantos anos de medicina, tive certeza de que faria o diagnóstico se olhasse a lesão. Mas como examinar uma pessoa no meio da rua com uma queixa tão íntima, justamente naquele quarteirão cheio de estudantes da faculdade instalada em frente?
Cogitei pedir que parasse numa rua mais deserta, mas seria muito pior. Se alguém nos surpreendesse num local ermo, o que diria? Uma reputação ilibada construída no decorrer de décadas iria por água abaixo.
Preso no trânsito congestionado, ora eu pensava que a ferida não era problema meu nem justificava o risco ao qual eu me exporia aos olhos da estudantada, ainda mais hoje em que qualquer bisbilhoteiro mal intencionado pode jogar uma imagem dessas nas redes sociais; ora eu me lembrava do juramento de Hipócrates e da razão de existência da minha profissão: aliviar o sofrimento humano. E se fosse sífilis, doença em que a lesão primária costuma regredir espontaneamente, para a infecção secundária se manifestar anos mais tarde?
Quando cruzamos o farol, na frente do prédio onde moro, vi que o lado esquerdo da rua estava movimentado, mas no direito não passava quase ninguém. Pedi que estacionasse ali.
Paguei a corrida e abri a porta para descer. Assim que coloquei a perna direita do lado de fora, pedi que mostrasse a lesão. Era formada por pequenas bolhas agrupadas, típicas do herpes genital.
— Você está com herpes.
— O que é isso?
— É um vírus.
— Aqui, nesse lugar?
— É sexualmente transmissível.
Ele me olhou espantado:
— Como é que eu peguei isso?
— Agora, você me fez uma pergunta difícil.