Ele já entrou naquela fase de contar recordes e números quase excêntricos, algo só possível no mundo do futebol aos que conjugam duas realidades. A primeira delas, claro, é a paixão. É preciso dedicar parte da vida a um clube por muito tempo, como se fosse algo de família. D’Alessandro chegou em 2008 ao Inter, de onde saiu no ano passado para fechar um capítulo muito pessoal no River Plate. Não tardou a voltar. A outra realidade para habitar o panteão de glórias de uma instituição é vencer.
Pode perder, porque a derrota é do esporte e também ajuda a contar grandes histórias, mas só o triunfo eleva eternamente. A dedicação inspira o respeito, mas idolatria mesmo só com faixa no peito. Pelo Inter, D’Alessandro conta 12 taças, somando Gauchão, Libertadores, Sul-Americana, Recopa Sul-Americana, e Recopa Gaúcha. Nesse domingo, pode erguer mais uma, caso supere o Novo Hamburgo, que chega à final com a vantagem construída pela melhor campanha e pelo drama dos goleiros colorados. O camisa 10 é o único que pode anoitecer tão hepta (a partir de 2011: ganhou também em 2009) quanto a camiseta que defende há tanto tempo. Lembre-se: antes de ir para o River, no ano passado, ele jogou pelo Gauchão, contra o São José. Até ergueu a Recopa Gaúcha. Só grandes ídolos foram tão longe.
Igualaria Escurinho, hepta de 1970 a 1976. O grande Don Elias Figueroa parou no hexa e voltou ao Chile para encerrar a carreira. No âmbito regional, antes de brilhar no mundo com a Roma, Falcão foi tetra, viu o Grêmio sair da final 1977 e ganhou de novo em 1978. Tesourinha, ponteiro de uma das linhas ofensivas mais famosas da Seleção Brasileira (Ademir Menezes, Jair Rosa Pinto, Heleno, Zizinho e Tesourinha, no Sul-Americano de 1945), ganhou sete edições com o Rolo Compressor, nos anos 1940, mas não em sequência: entre um penta e um bi, falhou 1947.Carlitos, o maior goleador da história do Inter, faturou inacreditáveis 10 Gauchões, mas só seis consecutivos. Se assinar o hepta em Caxias do Sul e permanecer no clube em 2018, D’Alessandro se aproximará do que parecia impossível: igualar o octa de Valdomiro, que ainda teve tempo de ganhar mais duas vezes e fecha sua conta pessoal em 10.
Você já percebeu, obviamente, por onde navega na história vermelha o capitão colorado, o temperamental camisa 10 que todos queriam ter em seu time. Após entrevistar o presidente Marcelo Medeiros esta semana para o Te Pago um Café, no Bom Dia RS, fui ao Museu do Inter no Beira-Rio com a equipe de imagens da RBS TV coletar imagens do primeiro hepta. Lá observei pelo menos cinco painéis com fotos de D’Alessandro. Na concentração, antes dos jogos, é comum torcedores fazerem fila, à espera de um autógrafo. Quando ele surge no saguão, é como se os outros sumissem por alguns instantes. Imaginava-se que, aos 36 anos, o seu rendimento fosse recuar. Tudo apontava para uma lenta aposentadoria após o retorno do River. Aí está boa parte da magia de D’Alessandro em 2017.
O Inter está no chão, combalido, ainda sem consistência numa temporada atípica, na qual nada é mais importante do que volta à Série A, e o que se vê em campo? O que menos precisa correr é o que mais corre. Aquele a quem mais se perdoaria o cansaço prematuro, pela idade, vai até os acréscimos dando piques. Tem se lesionando pouco, por enquanto. Em vez de entrar para a turma do chinelinho, jogou 18 das 25 partidas na temporada. Do ponto de vista técnico: o que seria do Inter nesta final sem o passe de D’Alessandro para Nico López empatar em 2 a 2 no Beira-Rio, quando a derrota em casa parecia consumada?
Se Zago o posiciona como volante (foi assim em parte do Gre-Nal), marca e sai para o jogo como um camisa 5 de qualidade. Se retorna para perto da área, aí soma talento e disciplina na recomposição. De um jeito ou de outro, movimenta-se o campo todo, como revelam seus mapas de calor.Disse-me o técnico do Noia, Beto Campos: quando mudou o esquema, do 4-2-3-1 para o 4-1-4-1, antes de enfrentar o Grêmio, pensava nas flutuações de Luan e Bolaños, mas lá no fundo mirava D’Alessandro. O Noia marca zona e nem pensa em designar um só para vigiá-lo, mas sabe que não será campeão sem impedi-lo de agir. Em resumo: o hepta do Inter passa por um personagem colorado ímpar: Andrés Nicolás D’Alessandro, o líder da reconstrução colorada.