Quando Valdomiro avançou pela direita, rente à linha lateral, um certo adolescente imberbe repetiu o movimento natural de qualquer torcedor colorado no Beira-Rio dos anos 1970. Levantou-se da cadeira perpétua número 47, fila D, e ficou em posição de sentido, com a respiração presa. Não era um jogo qualquer. Era o Gre-Nal decisivo do Campeonato Gaúcho de 1975, já no sofrimento da prorrogação, após um 0 a 0 de ranger os dentes.
O que estava prestes a acontecer? O de sempre, naquela década.
Valdomiro levaria a bola até quase a bandeirinha de escanteio. Pelo meio, Flávio Minuano o acompanharia na direção da área, sincronizando suas passadas com as dele para que chegassem juntos ao destino.
Por pouco o gol do hepta não foi contra, do grande Ancheta, zagueiro uruguaio que impediu um gol antológico de Pelé na Copa de 1970, no México, ao se jogar na direção da goleira e tirar o ângulo do Rei, que recém havia dado uma meia lua com o corpo no goleiro.
Pois a bola de Valdomiro veio em curva, escapando do marcador à sua frente, com força, insinuante, traiçoeira. Na ânsia de espaná-la, Ancheta obrigou Picasso a operar um milagre inútil. Ele espalmou mas, no rebote, Flávio enquadrou o corpo e fuzilou de canhota: Inter 1 a 0, heptacampeão gaúcho.
Quase 42 anos depois, o adolescente de 15 anos da cadeira 47 virou presidente do Inter: Marcelo Medeiros. Ele está perto de repetir uma história familiar cheia de coincidências e relações afetivas com aquela conquista. Em agosto de 1975, seu pai, Gilberto, era vice do então presidente, Eraldo Herrmann. Neste domingo, contra o Novo Hamburgo, quis caprichosamente o destino que os filhos destes dois dirigentes tão relevantes para o clube ocupassem os cargos de seus pais no passado, mas com papéis trocados.
João Patrício, filho de Eraldo, é vice de Marcelo. Gilberto Medeiros seria presidente em 1986, anos depois de Marcelo Feijó, tio de Marcelo, levar o Inter ao tri brasileiro invicto, em 1979. O hepta significaria a consolidação de um DNA:
– Seria o meu primeiro título como presidente. Claro que tem uma significação especial por estes laços de família, mas é bom ter o pé no chão. Temos uma longa Série B pela frente. Não sou supersticioso, mas ligo sempre para a minha mãe em dia de jogo. Ela me abençoa. Farei isso no domingo. Na campanha do hepta, e por muito tempo antes e depois, a família Medeiros assistiu aos jogos numa mesma fileira de cadeiras. Era assim no velho e rústico Beira-Rio, e permanece igual agora, no estádio de cobertura moderna e assentos confortáveis pós-reforma.
A matriarca, Alzira Feijó Medeiros, 79 anos, segue colorada atuante e com mais fôlego que Rodrigo Dourado. Em 1975, Marcelo descia para o vestiário, onde encontrava o pai. Em 2017, fará o mesmo caminho, mas para dar entrevistas como protagonista. Em 1975, o adolescente firmou amizade com lendas como Valdomiro, com quem naturalmente convivia. O tio, Marcelo Feijó, assava churrasco na casa de Figueroa. O pai foi padrinho de casamento de Carpegiani.
O passado se repete. Em 2014, Marcelo foi à festa de aniversário de D’Alessandro, que retribuiu indo à de Medeiros. Reencontraram-se, capitão e presidente, agora. Quando pequeno, o avô – de quem falarei mais adiante – levava o neto e futuro presidente aos Eucaliptos. Ali teve o primeiro contato com Falcão, amigo do peito até hoje:
– Lembro bem do gol do Flávio. Voltamos a pé para casa, que era no Moinhos de Vento, para curtir as ruas. Daqui a 40 anos, as pessoas vão lembrar da escalação do segundo hepta, se chegarmos lá, assim como eu lembro do primeiro. Tenho repetido no vestiário, quando posso: a história escreverá. Não é todo dia que um clube vence sete vezes seguidas. Ainda mais um campeonato valorizado por nós, pelo Grêmio e pelo Interior, como o deste ano.
Nestes 42 anos entre o hepta real e o que ainda é sonho, nada ou quase nada mudou no coloradismo de primeiro escalação dos Medeiros (e dos Herrmann), a não ser o primeiro nome. Em vez de Gilberto, agora é Marcelo. Isso sem falar no tio, Marcelo Feijó, e no avô, Afonso Paulo Feijó, presidente em 1945, durante a supremacia do Rolo Compressor. A taça, se vier, será um capítulo emblemático de uma história familiar totalmente vermelha.