Tanto Renato quanto Celso Roth criaram opções de time não cogitadas por ninguém antes que, cada uma a seu modo e inserido em seu contexto, vão ajeitando Grêmio e Inter.
Falo, claro, de Ramiro e William. É a vantagem do convívio, da conversa, do treino intramuros vedado à imprensa e da coleta de opiniões de quem acompanhou o jogador desde os seus primórdios.
Tiro o chapéu para Roth na questão William. Confesso que duvidei do sucesso da opção dele como meia pela beirada direita, apesar de suas expressivas estatísticas de assistência como camisa 2. Por um motivo importante: a conclusão.
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Contra o Atlético-MG, William somou seis finalizações, três delas chances claras (uma de cabeça, livre, dentro da área), mas faltou precisão para quem tem de entrar na área. O gol veio só de pênalti.
Mesmo que William volte a ser fixado na lateral, é preciso reconhecer: trata-se de uma opção interessante, pela qualidade capaz de aplicar caneta em Lucas Pratto e, ao mesmo tempo, incorporar as rotinas defensivas de um lateral. É até difícil imaginá-lo em outro lugar, a partir de agora.
E Ramiro? Este é um fenômeno.
Ramiro vivia um inferno astral antes da chegada de Renato. A torcida pegava no pé assim que ele tocava na bola. Tinha perdido espaço como volante, ultrapassado por Jailson. Agora, o mesmo Ramiro faz gol de cobertura no Palmeiras, dá assistência para Douglas matar o Cruzeiro e assina a vaga do Grêmio na final da Copa do Brasil.
Prefiro jogadores com características ofensivas nesta função, respeitados os rigores táticos defensivos, e não o contrário, mas isso não importa. O fato é que Ramiro e William, recrutados das linhas defensivas de Grêmio e Inter, deram consistência de meio a ambos. É um reconhecimento que merece registro.
A César o que é de César, como diz o ditado.
Eles não eram alternativas óbvias e, menos ainda, fáceis de a torcida e até da mídia aceitar. As opções de Renato e Roth nos convidam a um exercício. Dogmas emburrecem. Paralisam. É confortável, para não dizer preguiça, se encaramujar e bater sempre na mesma tecla, sob o falso manto da convicção.
Adequar os fatos ao seu ponto de vista é mais fácil do que admitir a hipótese de que há outros igualmente válidos. Se o mundo está em constante mutação, com revoluções tecnológicas e na esfera das comunicações se sobrepondo com rapidez surpreendente, como pensar da mesma maneira a vida toda?
Celso Roth ganhou o rótulo de retranqueiro, mas no Gre-Nal foi de três atacantes fora de casa: Valdívia, Aylon e Sasha. Renato sempre foi carimbado de ofensivista e irresponsável como técnico, mas encaixou um terceiro volante na condição de meia e a solidez defensiva ganhou corpo, recolocando o Grêmio nos trilhos.
Enquanto isso, nós, da imprensa, ou boa parte dela, ainda seguimos dizendo, em linhas gerais: retranqueiro, Roth só se fecha. Faceiro, Renato só se abre. Na verdade, ambos têm suas convicções, mas a realidade indica que eles não são dogmáticos. Ou, no mínimo, alargaram horizontes se dispondo a ver o mundo sob outra ótica.
A pergunta é: estamos dispostos a ver nuances de cor ou tudo tem de ser monocrático?
Assim, não precisa ser bambilândia contra jurassicolândia, na impagável criação do Grande Wianey Carlet sobre ênfases de ataque e defesa, que tem o mérito de provocar o debate. Guardiola versus Mourinho é outra oposição que vale só para uma boa manchete. São dois técnicos excepcionais. Não é um ou outro, só por pensarem diferente. Não tem de amar um e detestar o outro, buscando inimigos imaginários para brigar.
Por reserva de mercado, Luxemburgo disse que técnicos estrangeiros não são melhores do que os nossos. Desdenhou Guardiola e Mourinho, que devem ter perdido o sono: eles só seriam grandes por terem craques para escalar. Romário, Rivaldo, Maradona e até Cruyff jogaram no Barça (um clube sempre recheado de craques) e nunca foram campeões europeus. Imagino que eles eram treinados por alguém. Não é tão barbada assim, portanto.
Guardiola pegou Messi e Cia e ergueu duas taças. Mourinho foi campeão com o Porto, algo inédito. Ambos, Guardiola e Mourinho, criaram novas formas de treinamento. Não são diferentes dos técnicos brasileiros, mas de qualquer técnico da atualidade, vamos combinar. Engavetar esta lógica um tanto arrogante seria um bom passo para treinadores brasileiros entrarem na Europa, onde argentinos se instalaram há muito tempo.
Saindo da bola, há outros pensamentos empacotados que levam do nada ao lugar nenhum. Coxinhas contra petralhas é o mais notório. Talvez a prisão de alguns tucanos já emparedados pela Lava-Jato empate este jogo vesgo e nos ajude a virar a página para algo mais produtivo. Ainda verei cronistas dos dois lados levantando a cabeça acima da trincheira e enxergando algo de bom no outro lado.
Renato não é só ofensivista.
Roth não é só retranqueiro.
Mudemos nós, porque eles já mudaram.